Título: A seda brasileira luta para sobreviver
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Economia, p. B12

A carne, a soja e o frango do Brasil já ficaram famosos, mas pouca gente sabe que a seda brasileira é considerada a melhor do mundo. Os famosos lenços da marca francesa Hermés, que chegam a custar US$ 320, são feitos com fios de seda 100% brasileiros. Os quimonos mais sofisticados do Japão também usam seda made in Brazil. E mais de 90% dos fios de seda produzidos aqui são exportados para mercados exigentes como Europa e Japão. Mas a seda brasileira, apesar de ser sinônimo de alta qualidade, está ameaçada de extinção. Os fabricantes de fio de seda estão lutando para sobreviver ao dólar baixo, à falta de bichos-da-seda e ao crescimento das vendas dos chineses. Em 1994, o Brasil produzia 2,5 mil toneladas de fio por ano. Hoje, produz apenas 1,5 mil tonelada e, neste ano, a produção deve cair para 1,3 mil tonelada. Havia 17 fiações de seda no Brasil em 1994. Hoje são apenas três.

Na liderança está a Fiação de Seda Bratac, que completa 65 anos em 2005. Essa empresa de Bastos, a 549 quilômetros de São Paulo, responde por quase 70% do mercado nacional. "Fabricamos uma seda de altíssima qualidade", diz Shigueru Taniguti Junior, gerente comercial da Bratac. "Mas estamos com prejuízo desde setembro."

Segundo Taniguti, a queda do dólar atingiu em cheio a Bratac, que exporta 95% da produção. O lucro da empresa, que foi de R$ 6,988 milhões em 2002, caiu para R$ 2,24 milhões em 2003 e R$ 109 mil no ano passado. Neste ano, segundo Taniguti, a empresa deve fechar no prejuízo. "Precisamos de um dólar cotado a no mínimo R$ 3 para ter lucro", diz. Em dezembro de 2004, a empresa estava com 1.889 empregados. Hoje, tem 1.700.

A empresa está redirecionando parte de suas vendas para o mercado interno, reduzindo suas exportações de 95% da produção para 85%, como forma de escapar do dólar baixo. Além do dólar baixo, lá fora a empresa enfrenta a concorrência chinesa, que está roubando participação no mercado japonês.

No mercado interno, a seda brasileira também enfrenta obstáculos. A seca do Sul do país levou a uma queda drástica na produção de casulos. Por causa da falta de chuvas, as folhas das amoreiras - principal alimento das larvas do bicho da seda (que formam o casulo) - não se desenvolvem bem.

Em outras regiões, foi o boom da agricultura que prejudicou a seda. Muitos produtores trocaram o bicho-da-seda por mandioca ou milho, mais rentáveis. "Estamos tentando combater esse problema, pagando mais por casulo", diz Taniguti. A Bratac já chegou a ter 5,3 mil produtores fornecendo os casulos. Hoje, tem 4,2 mil.

Mesmo assim, a empresa e suas concorrentes - a Kanebo Silk, que tem 20% do mercado, e a Cocamar, com 10% - apostam na alta qualidade da seda brasileira para vencer os obstáculos. A escala de classificação de qualidade do fio de seda vai de D, a mais baixa, até 6A, a máxima. A Bratac fabrica principalmente seda de 4A a 6A. A China fabrica principalmente do nível padrão 3A para baixo.

E qual é o segredo da qualidade da seda brasileira? A qualidade começa pela raça dos bichos da seda. Depois da Segunda Guerra Mundial, imigrantes japoneses vinham de navio para o Brasil, trazendo no bolso ovinhos de bicho-da-seda. Chegando aqui, técnicos da Bratac criaram uma raça híbrida, cruzando os bichos japoneses contrabandeados com os bichos chineses, que haviam sido trazidos para o Brasil pelos Matarazzo. Com esse cruzamento, a empresa conseguiu criar um bicho-da-seda que se adapta melhor ao clima brasileiro e produz um fio de maior qualidade. Na China e no Japão, é possível fazer apenas três ciclos de produção por ano. No Brasil, até 10.

A Bratac monitora todo o ciclo de produção. Os técnicos da empresa acompanham o cruzamento das mariposas, da espécie Bombyx Mori, os ovos, o nascimento das larvas e então, quando as larvas estão entrando na terceira idade (depois de cerca de uma semana), entregam aos produtores. Esses produtores vão cuidar das larvas do bicho-da-seda pelos próximos 25 dias, até que elas formem casulos. São cerca de 5 mil produtores autônomos criando bicho-da-seda para a Bratac. Os produtores plantam amoreiras e usam as folhas para alimentar as larvas em barracões. Quando elas formam seus casulos, eles os colhem e entregam à Bratac.

Aí começa o processo da fiação. Primeiro, os casulos passam por um aquecimento para retirar a umidade e garantir armazenamento por um ano. Depois, passam por um processo de seleção, para separar os casulos defeituosos. Após essa etapa, os casulos são mergulhados em água quente, de 60ºC a 120ºC, para dissolver a sericina - a cola que gruda o fio do casulo. O fio então se solta fazendo com que a ponta seja encontrada. O casulo é um novelo de fio que atinge entre 700 e 1.200 metros.

A partir daí, coloca-se a ponta numa máquina que enrola o fio e faz a meada. Juntando os fios de várias meadas faz-se um fio mais grosso, que é utilizado para a fabricação dos tecidos.

O maior produtor de seda do mundo é a China, com 76% do mercado, seguido da Índia, com 17,7%, Vietnã (2,7%) e Brasil (1,9%). Para combater o avanço da China, as fiações estão agregando valor a seus produtos para tentar concorrer apenas em nichos. Elas apostam em fios torcidos - há mais de 100 maneiras diferentes de torcer os fios - para se diferenciar. Antes, só vendiam o fio simples, chamado de grégia. Além disso, a Bratac está reduzindo seus custos. Na fábrica de Bastos, chegaram a cortar até o ar-condicionado para economizar.

Já as tecelagens apostam em nichos de luxo para aumentar suas vendas. Segundo Eliane Gamal Mesquita, diretora-presidente da Safira Sedas, tecelagem de seda para decoração, e uma das coordenadoras do Comitê da Seda, não dá para competir com os chineses ou com outros tecidos se as empresas se mantiverem no básico. "Precisamos desenvolver produtos mais sofisticados, como cetins especiais com estamparia digital, coisas que não sejam só padrão", diz. "Para isso, é necessário entrosar mais a cadeia têxtil, para conseguir fazer produtos diferenciados, que desafiem a concorrência chinesa. Muitas tecelagens só fazem crepe georgette e crepe da china, de cor lisa. Assim não dá para competir."

Os tecidos de seda que Eliane produz são usados para cortinas, sofás e almofadas. Eles custam de R$ 70 o metro por uma organza lisa até R$ 400 o metro por um cetim especial estampado. Uma cortina, por exemplo, leva cerca de 12 metros de tecido.