Título: Papa vai se dedicar à busca da paz mundial
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2005, Internacional, p. A18

O papa Bento XVI anunciou ontem, em sua primeira audiência pública, para cerca de 15 mil pessoas na Praça de São Pedro, que porá seu ministério a serviço da reconciliação e da harmonia entre os homens e os povos, a exemplo do que fez, durante a 1.ª Guerra Mundial, seu predecessor Bento XV, cujo nome decidiu adotar. Bento XVI disse estar "profundamente convencido de que o grande bem da paz é antes de tudo um dom de Deus, um dom frágil e precioso que se deve lembrar, proteger e construir, dia após dia, com o apoio de todos". A paz foi o ponto central da catequese do papa (comentário sobre trechos da Bíblia, na audiência das quartas), de 10 minutos.

Ao explicar por que quis se chamar Bento XVI, o alemão Joseph Ratzinger afirmou que com isso pretendeu se ligar a Bento XV, "que guiou a Igreja em um período conturbado pelo primeiro conflito mundial". Referindo-se ao predecessor, que foi eleito em 1914 e morreu em 1922, o papa disse que "ele foi um corajoso e autêntico profeta de paz e se esforçou com incansável coragem, primeiro para evitar o drama da guerra e depois para limitar suas conseqüências nefastas".

Acrescentou que, ao escolher o nome, pensou também em São Bento de Norcia, "co-patrono da Europa, com os santos Cirilo e Metódio". De improviso, acrescentou a esses os nomes das santas Brígida da Suécia, Catarina de Sena e Edith Stein. A citação das santas surpreendeu, pois seus nomes não constavam do texto original do discurso, distribuído com antecedência pela Sala de Imprensa da Santa Sé. Mais tarde, foi divulgada uma versão atualizada.

Edith Stein, canonizada por João Paulo II em 1998, foi uma filósofa e freira carmelita alemã, convertida do judaísmo, que morreu na câmara de gás em Auschwitz em 1942, após ter sido presa e deportada pelos nazistas. Sua canonização provocou protestos de setores da comunidade judaica.

Ao ressaltar a difusão do cristianismo na Europa, graças à expansão da ordem beneditina, o papa disse que o fundador dessa comunidade monástica, São Bento, "é um ponto de referência para a unidade da Europa e forte apelo às irrenunciáveis raízes cristãs de sua cultura e de sua civilização". A crescente secularização da Europa, um dos temas das reuniões dos cardeais nas vésperas do conclave, é uma das principais preocupações de Bento XVI. Uma de suas prioridades será a evangelização ou recristianização dos católicos europeus.

SURPRESA E GRATIDÃO

Bento XVI percorreu a Praça de São Pedro durante 10 minutos, em um jipe branco aberto, de placas SCV, ao chegar às 10h30 para a audiência. De pé em cima do jipe, ele acenava e sorria para a multidão, que gritava seu nome em italiano - Benedetto!

Enquanto o povo aplaudia, o papa ficou olhando para a praça, aparentemente ainda surpreso com sua eleição. Como fez no discurso aos cardeais, no dia seguinte ao da eleição, falou dos "sentimentos contrastantes" que tem experimentado neste início de seu ministério: "Sentimentos de estupor e gratidão a Deus, que me surpreendeu ao me chamar para esta grande responsabilidade", disse Bento XVI em italiano e repetiu depois em francês, inglês, alemão e espanhol, ao agradecer a presença de católicos que falam tais línguas na audiência.

Bento XVI falou também uma frase em croata, esloveno e polonês. Os peregrinos de língua portuguesa foram agrupados com os de fala espanhola. Um grupo de estudantes mexicanos fez tanto barulho cantando que o papa fez um sinal com a mão pedindo silêncio.

Algumas bandeiras do Brasil sobressaíam na praça, uma delas levada pelas irmãs paulinas Vera Parisotto e Leda Justo, que aproveitaram a coincidência de uma reunião de sua congregação em Roma para conhecer o novo papa. Foi o caso também de irmã Teresinha Monteiro, uma freira scalabriana, que trabalha em Bogotá com refugiados expulsos de suas terras pela guerrilha.

"Trouxemos mais de 50 escoteiros, mas não fomos citados", reclamava o francês Daniel Grojean, da diocese de Belley-Ars. Maquinista de locomotiva, ele foi a Roma de avião, "uma heresia para um ferroviário". Na praça, Daniel conheceu um compatriota, François de Saint-Allin, de 80 anos, de Grenoble, escoteiro de carteirinha desde 1938. Conversaram sobre o futuro da Igreja. "Tenho a esperança de que Bento XVI ponha ordem na Europa, onde muitos católicos têm idéias muito avançadas, como achar que padre tem de casar", disse François.

A audiência acabou às 11h30, mas o papa continuou na praça para os cumprimentos de cardeais e bispos. Pouco depois do meio-dia, Bento XVI embarcou no jipe e foi embora por um corredor lateral.