Título: Austrália mostra caminho ao Brasil
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2005, Economia, p. B7

Enquanto a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, visita o Brasil, pede energia para levar adiante o estagnado acordo de livre comércio das Américas e o Brasil ainda hesita, faz que vai mas não vai, um fato novo ocorreu num país-continente e distante, a Austrália, que mostra o caminho a seguir. Nada de dar prioridade a acordos entre blocos econômicos, mas negociação direta e flexível com os principais parceiros comerciais. No caso, EUA, China e Japão. As ambiciosas negociações entre grandes blocos podem e até devem prosseguir na OMC, mas para os países emergentes o que interessa é concluir o mais rápido possível acordos isolados. E o governo australiano não ficou na fala. Fez. O primeiro-ministro australiano, John Howard, que já havia fechado acordos comerciais com os EUA e com a Tailândia, além de 10 da área do Pacífico, negociou agora com a China, que absorve 13% de suas exportações, e com o Japão, 10%, superados apenas pelos EUA, 18%. Com isso a Austrália engloba os três principais parceiros e continua participando das reuniões dos tão decantados "blocos" dos 20, 30 países exportadores. E por que não? Reúne-se com todos, mas negocia diretamente só com grandes importadores e investidores

DESENCANTO COM A OMC

A Austrália não nega nem esconde. Está frustrada com o lento progresso para a reunião ministerial dos países membros da OMC, a realizar-se em Hong Kong, em dezembro. O ministro australiano levará na bagagem acordos já firmados com quem interessa. E o que vier, se não atrapalhar, é lucro.

Na viagem que fez a Tóquio e Beijing, o primeiro-ministro John Howard foi franco e ágil. Mostrou-se disposto a fazer concessões "desde que haja a integração entre as duas economias".

"Eu sou realista. Entendo que é difícil para um país reduzir o nível de protecionismo há muito tempo, e por isso estamos inclinados até a deixar alguns produtos agrícolas fora da negociação", disse, referindo-se ao Japão. Howard sofreu pesadas críticas dos produtores de açúcar por aceitar a retirada do produto no acordo que firmou com EUA, mas, afirmou, ganhamos mercado em outros produtos. Para o público externo, ele acenou com mais abertura e flexibilidade do mercado, desde que isso represente mais investimento direto e mais comércio.

Aqui, é o sinal para o Brasil e outros países que condicionam a inclusão dos produtos agrícolas, como um todo, em acordos comerciais. O primeiro-ministro australiano acredita que algo mais profundo poderá até ocorrer na questão agrícola, na reunião de cúpula da OMC, mas não há mais tempo a perder. Afinal esse é tema que vem se arrastando há 10 anos sem nenhum sinal de concessão dos países importadores de agroprodutos - leia-se EUA e União Européia. Tolos os que não agem e ficam esperando.

MERCADO DE BLOCOS

A Austrália está certa. Segue a onda de proliferação de acordos regionais e bilaterais. Segue, não. Está na crista dessa onda.

Os empresários australianos desde o início do ano já estão fechando negócios com seus parceiros americanos. Chegaram primeiro porque, como afirmou o primeiro-ministro John Howard, não há acordos ideais. A exclusão do açúcar australiano no acordo com os EUA é negativa para o Brasil e outros países produtores. Mas, para isso, a Austrália tem um argumento pragmático difícil de rejeitar. Os EUA e a União Européia não iriam aceitar a inclusão do açúcar e outros "produtos sensíveis" em acordos multilaterais. Então, por que emperrar as negociações de outros produtos, inclusive industriais?

HONG KONG PROMETE POUCO

Para os observadores em Genebra, a previsão é de que a reunião ministerial de Hong Kong, em dezembro, estipule o "ritmo" da liberalização que ocorrerá quando o acordo estiver concluído, só a partir de 2007, ou até mais tarde. Nessa conferência poderá, por exemplo, "definir" quantos anos levará o corte dos subsídios à exportação ou a redução de tarifas. Mas, realista, Jamil Chade, correspondente do Estado, observa que "já há quem diga que a OMC chegará em Hong Kong mais uma vez sem acordo nenhum". Nesse caso, todo o processo de abertura do mercado de produtos agrícolas estaria comprometido.

A Austrália já chegou a essa conclusão no ano passado, quando fechou acordos bilaterais com países asiáticos. Faltam a China, que já aceitou "oficialmente" iniciar a negociação, e o Japão, um caso mais difícil na visão do primeiro-ministro australiano. O governo tem uma longa política de proteção aos agricultores, que têm forte peso político. O primeiro-ministro australiano ouviu de seu colega Junichiro Koizumi que "esta questão agrícola é complexa". Mas - e aqui um fato importante para o Brasil - "a Austrália fornece 91% de toda a carne bovina que o Japão importa, 60% do minério de ferro e carvão além de 13% de gás liquefeito". Por isso só, conclui Howard, "nós já consideramos o Japão um parceiro muito próximo e especial". Isto é, tem muito a dar e a receber.