Título: O que se espera do CNJ
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2005, Nacional, p. A4

Agora se pode afirmar que existe o Conselho Nacional de Justiça. Sob o ordenamento em que o Supremo Tribunal Federal tem por missão a guarda precípua da Constituição, só passa a integrar a normatividade aquilo que mereceu o beneplácito do intérprete máximo. Superada a questão da inconstitucionalidade, resta a esperança de que esse órgão venha a cumprir adequadamente suas funções. Embora chamado de "controle externo", o CNJ faz parte do Poder Judiciário. Órgão administrativo, não se sobrepõe ao Supremo Tribunal Federal, que continua a ser o ápice jurisdicional da Nação.

A competência do CNJ está na Emenda 45/2004. Controlará a atuação administrativa e financeira do Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. As atribuições contidas em 7 incisos do artigo 103-B da Constituição já representam imensa responsabilidade para o novo órgão. Dentre elas, está a defesa da autonomia do Judiciário, o adequado cumprimento do Estatuto da Magistratura, a expedição de atos regulamentares e a recomendação de providências a serem tomadas pelos tribunais.

Toda a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Judiciário será apreciada pelo CNJ, que poderá desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para regularização.

Talvez a missão do CNJ mais controvertida seja a de receber e conhecer as reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra serviços auxiliares, serventias e prestadores de serviços notariais e de registro.

Considerada a imensidão do Brasil, a população sedenta por Justiça, a incompreensão a respeito da complexidade do universo judiciário - muito por responsabilidade do próprio Poder, que só recentemente se preocupa com comunicação -, não é demasia aguardar-se uma pletora de reclamações. Despertada para a existência de uma instância específica, a sociedade pode inflar o CNJ de milhares de denúncias. É bom lembrar que a discussão do "controle externo" se fez anteceder por uma grita de setores que se consideravam prejudicados pela Justiça, diante de uma sentença desfavorável. O inconformismo é a reação natural de quem não viu suas pretensões satisfeitas. A partir da instalação do CNJ, haverá a quem reclamar.

A sensata composição do órgão por nomes experientes e respeitáveis, como até agora ocorre, autoriza a crença de que atender ao denuncismo não será a tarefa primordial do CNJ. O discurso do presidente Nelson Jobim enfatiza uma carência mais evidente do Poder Judiciário brasileiro: a ausência de um planejamento confiável para a Justiça. É essencial a elaboração de um projeto consistente para a Justiça do futuro. Até o momento, a autonomia de cada ramo do Judiciário - dois comuns e três especiais - não permitiu trato racional das necessidades dos destinatários do serviço judicial. Nesse ponto é que o CNJ poderá transformar a Justiça brasileira e implementar as profundas reformas estruturais de que o poder se ressente.

Nesse rumo, incumbe ao CNJ elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário. Mais importante ainda, compete-lhe elaborar relatório anual com proposta de providências concretas sobre a situação do Judiciário no País. Providências de melhor distribuição de justiça, de racionalização dos serviços, adoção de soluções pioneiras, alternativas concretas de modernização.

Abre-se oportunidade singular a um colegiado de reconhecida qualificação e legitimidade. A chance de ouro de contribuir para converter a Justiça no serviço público atualizado, célere - recado recente do constituinte e do povo - e eficiente como deve ser toda atuação estatal.

Poder que em regra aparenta só conhecer uma dimensão temporal - o passado -, o Judiciário não pode mais adiar o seu encontro com o futuro. O decantado CNJ tem condições de promover esse ajuste e suprir uma deficiência que, no Brasil, nunca foi seriamente encarada. Empenhar-se no planejamento, no redesenho da Justiça, no traçado das novas metas a serem atingidas, fará do CNJ um instrumento saudável de aperfeiçoamento da democracia brasileira. Legitimar-se-á perante a comunidade dos principais interessados nesse projeto, que são os próprios operadores jurídicos E comprovará o acerto do constituinte derivado, ao tentar - de sua forma - contribuir para ampliar o acesso de todos os brasileiros à Justiça e de torná-la cada dia um serviço público mais prestigiado, respeitado e provido de credibilidade.

Essa a esperança que anima os otimistas. E se não houver otimismo, diante das incertezas que pontuam nossos tempos, não haverá enfrentamento adequado das grandes questões à espera de alternativas. É preciso coragem cívica e alento para os desafios que ainda espreitam os rumos da democracia brasileira.