Título: Raposa Serra do Sol, uma reserva sem paz garantida
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2005, Nacional, p. A12

BOA VISTA - O conflito na Reserva Raposa Serra do Sol está longe de terminar. A União tem um ano para substituir serviços de saúde, educação, transporte e outros bancados pelo governo estadual, mas nenhuma garantia de pacificação dos índios. A divisão mais perigosa é entre os macuxis - um grupo está ligado ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), apoiado pela Ordem Consolata, católica, e o outro à Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur), apoiados pelo governo estadual, arrozeiros e a maioria da população branca. "Conheço o que é amargo e o que é doce nessa história. As lideranças indígenas estão sendo usadas", diz o cacique (tuxau) Gilberto Macuxi, da Comunidade Meró, na fronteira tríplice Brasil, Venezuela e Guaiana. Ele já foi do CIR, é contra a homologação e o isolamento, mas atua em linha independente. Dirige entidade Aliança de Desenvolvimento da Comunidade Indígena de Roraima (Alidcir) e diz que o grande fator de divisão entre é a influência de políticos e missionários católicos, que estimulariam a expulsão dos brancos, gerando conflitos.

Entre os 14 mil índios apontados pela Funai - o CIR diz que são mais de 16 mil -, há etnias como a dos ingarakós, que vivem praticamente isolados na Serra do Sol e não querem contato com o branco nem com os macuxis.

Na mesma região vivem wapixanas, taurepangues e patomas. Segundo Gilberto, a controvérsia da demarcação vem desde 1986 e não será o decreto homologatório que porá fim ao conflito. O desafio do governo é substituir a estrutura estadual e o poder dos arrozeiros quando órgãos como Funai e Polícia Federal não são bem recebidos na reserva nem têm instrumentos para promover pacificação e implantar projetos do governo.

"Podemos substituir tudo o que foi posto lá dentro pelo governo estadual e arrozeiros. Temos projeto de desenvolvimento e não ficaremos isolados", diz o líder macuxi Marinaldo Trajano, coordenador do CIR, que recebe ajuda de ONGs internacionais para implantar em 1,747 milhão de hectares programa cuja espinha dorsal é a autonomia indígena, sem a presença do branco.

O boom da produção em áreas invadidas foi quatro anos e hoje representa 10% do PIB regional ou 50% se o parâmetro forem atividades genuinamente roraimenses, já que o Estado, de 350 mil habitantes e tamanho maior que o de São Paulo, tem 80% da economia movimentada por contracheques públicos e verbas federais. Das terras indígenas sai 70% da produção de arroz do Estado, que está nas mãos de um grupo de gaúchos, distribuídos em 16 fazendas. O líder é o prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero.