Título: Ao longo dos anos, muda perfil dos infectados
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2005, Vida&, p. A26

Um levantamento feito pelo infectologista Jean Carlo Gorinchteyn, responsável pelo Ambulatório de Aids no Idoso do Instituto Emílio Ribas, mostrou que as formas de transmissão da doença nos pacientes com mais de 60 anos atendidos no hospital foram se modificando com o passar dos anos - de uma predominância das relações homossexuais para as heterossexuais. Pelo estudo do médico, que envolveu um grupo de 121 pacientes, na primeira fase do levantamento, de 1989 a 1994, as relações homossexuais e bissexuais foram a maior causa da contaminação pelo HIV. A partir de 1995, a grande forma de transmissão - 78% - foi a relação heterossexual.

Houve também um predomínio de homens, muitos casados. Entre as mulheres, a maior parte era viúva e adquiriram a doença dos maridos ou em relações com novos parceiros. Um grupo sem hábitos de usar preservativos, que considerava a prevenção necessária só como método anticoncepcional.

Apesar de abranger o universo relativamente pequeno de um hospital, o estudo é um dos poucos que investigam a transmissão da doença na população da terceira idade. O silêncio sobre o tema também envolve o meio acadêmico e médico, que até agora produziu poucas pesquisas na área.

"É uma questão de saúde pública, que trata uma população que, por ser excluída das campanhas, pensa que está à margem dos riscos e continua se relacionando sem cuidados, o que já era habitual desde o início de suas práticas sexuais", explica Gorinchteyn.

De acordo com ele, os médicos também têm sua parte de culpa nessa omissão. "Quantos idosos que chegam com pneumonia grave nos hospitais podem estar contaminados e ninguém sabe? O médico nunca pensa em pedir um exame de HIV porque nem considera essa possibilidade. Então temos um diagnóstico precário dos casos aqui no Brasil. A gente precisa acordar para o problema."

A falta de conhecimento dos médicos também é apontada como um problema pela infectologista Mariliza Henrique da Silva, do programa de DST/Aids de São Bernardo e do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo. "O profissional precisa pensar que a aids existe nessa idade. Hoje em dia, ainda se demora muito tempo para fazer o diagnóstico", afirma Marilisa.

Segundo Gorinchteyn, em média 50% dos pacientes descobrem o vírus quando vão fazer alguma doação de sangue ou passar por procedimentos cirúrgicos. A outra metade toma conhecimento tarde demais, com as manifestações próprias da doença. "Aqui no ambulatório temos cuidados próprios para o idoso, porque ele precisa de um acompanhamento diferente com a medicação anti-retroviral, de um intervalo de retorno mais curto, por causa das condições físicas e das doenças que são próprias da idade, que o tornam mais frágil", diz. No entanto, ele explica que uma vez diagnosticados antes da manifestação da doença, e sem interromper o tratamento, os idosos respondem bem aos anti-retrovirais.

Em São Bernardo, o aumento no aparecimento de novos casos fez que o programa municipal organizasse uma campanha de conscientização nos locais de festas, bailes, associações e clubes da terceira idade. "Vamos até os clubes, por exemplo, para orientar, falar de prevenção e oferecer o teste", conta a infectologista, uma das organizadoras da campanha, que deverá começar no próximo mês.