Título: Falta educação financeira
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

Na semana passada, referindo-se às altíssimas taxas de juros praticadas no Brasil, o presidente Lula criticou o que entendeu como "comodismo" da população em geral e da classe média em particular, dizendo que se revelam incapazes de buscar juros mais baixos (o mais adequado seria dizer menos altos). Para tanto deveriam empenhar-se na procura de um "banco mais barato", movendo seus... perdão, seus esforços nessa direção. Suas palavras causaram tantas reações em contrário que seu lado aproveitável se perdeu no meio do debate. Cada um tem a sua linguagem. Influenciado pela profissão e pelo magistério, traduzo e sintetizo a fala presidencial naquilo que vi relevante, uma merecida referência à falta de educação financeira da grande maioria do povo brasileiro. Em termos mais gerais, não há uma cultura econômico-financeira capaz de permitir ao cidadão gerir melhor seus recursos, no sentido de tirar o máximo proveito deles.

Muitas das críticas ao presidente se concentraram na linguagem que usou na ocasião. Uma outra crítica se voltou para apontar que o caminho de buscar juros menos altos não se revelaria viável, pois os bancos estariam cobrando taxas aproximadamente idênticas. Esta última ponderação não se sustenta, pois mesmo num único banco há linhas de crédito com diferentes taxas de juros que abrem opções aos devedores, desde que a oportunidade de mudança de uma linha para outra seja percebida e procurada. É sabido, por exemplo, que muita gente deve em contas com cheques especiais e a cartões de crédito, quando há linhas menos caras, como o crédito pessoal e uma variante deste, o empréstimo consignado em folha de pagamento. Aliás, outros críticos argumentaram que já há gente buscando alternativas como essas, conforme se percebe pelas estatísticas do sistema financeiro coletadas pelo Banco Central.

Entretanto, mostrar que esse movimento na direção de taxas menos altas já existe tampouco esgota o assunto, pois, se a educação financeira fosse mais disseminada, muitos mais moveriam sua cabeça e suas ações na mesma direção. E mais: no meio das críticas não vi referência às multidões que, ainda mais carentes de educação financeira, ignoram até mesmo as taxas de juros que estão a pagar. É a turma dos "sem-banco", que usa o crediário de lojas e os empréstimos das chamadas "financeiras", onde os juros são sabidamente ainda maiores e usualmente disfarçados no valor das prestações e nas tantas vezes que devem ser pagas, costumeiramente muitas a ampliar ainda mais o peso dos juros. Ora, a conta desse valor das prestações e dessas vezes freqüentemente é a única feita por devedores de baixa renda e sem outras fontes de crédito, que só avaliam se cada prestação caberá nos rendimentos com que contarão no prazo de pagamento, sem maiores ponderações sobre os juros incluídos na dívida assumida.

De onde viriam ensinamentos financeiros que permitissem avançar além do primitivismo de cálculos como esse? Defendo a idéia de que os currículos escolares incluam já a partir de meados do ciclo fundamental as noções básicas sobre o assunto, por meio dos cursos de Matemática. Estes deveriam ser ministrados na linha do que os educadores chamam de "contextualizados". Ou seja, ilustrando o ensino de fórmulas, teoremas e que tais com questões vivenciadas pelos estudantes e sua família no seu dia-a-dia. Assim, entre as muitas possibilidades, somas e subtrações podem ser exercitadas no contexto de uma compra num mercado ou numa feira, e do troco recebido; as multiplicações e divisões, via cálculos de juros e valores de prestações de dívidas assumidas. O ensino médio deveria ir mais além, colocando Economia no currículo escolar e noções básicas de Matemática Financeira no programa da disciplina, tudo contextualizado.

Idéias como essas foram incorporadas num denso documento do Ministério da Educação datado de 1999 e intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Por exemplo, ao abordar a contextualização é afirmado que "uma das formas significativas para dominar a Matemática é entendê-la aplicada na análise de índices econômicos e estatísticos, (...) ou na estimativa da taxa de juros, associada a todos os significados pessoais, políticos e sociais que números dessa natureza carregam". Noutro trecho, igualmente sobre a Matemática, o documento argumenta que "... a possibilidade de compreender conceitos e procedimentos matemáticos é necessária (...) para o cidadão agir como consumidor prudente (...)". Ao seu final lança "... a possibilidade do desenvolvimento de outros conhecimentos das Ciências Humanas (...), tais como a Economia (...)". Além disso, ao dar as linhas do conteúdo programático dessa disciplina faz referência explícita ao "papel dos juros na consideração dos pagamentos à vista ou a prazo".

Ora, não me consta que diretrizes como essas sejam efetivamente aplicadas pelo nosso sistema de ensino. Assim, ainda que reconhecendo o mérito presidencial de levantar um problema que enseja reflexões como essas, incorporo-me também à crítica, mas de uma outra natureza: é certo que os brasileiros devem estar mais atentos aos juros que pagam, mas precisam receber a educação adequada para tanto. Assim, prefiro tirar da fala presidencial um recado para as autoridades educacionais, no sentido de que movam os seus..., perdão, as suas mentes e ações no sentido de dar aos brasileiros uma educação mais adequada às suas necessidades reais, como essa de identificar, medir e comparar taxas de juros.