Título: 'Presidente deveria ser o primeiro a ler', diz autor
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Nacional, p. A8

Quando era repórter do jornal alternativo Movimento, o jornalista Antônio Carlos Queiroz, redator da cartilha Politicamente Correto & Direitos Humanos, batia na ditadura da mesma forma que ontem criticou o presidente Lula, dizendo que ele manifestou preconceitos em várias oportunidades, e o escritor João Ubaldo Ribeiro, que criticou a cartilha. Em entrevista ao Estado, disse que, em vez de criticar, Lula deveria ser "o primeiro a ler a cartilha". Eis a entrevista: Por que tantas críticas?

Não me surpreende que tenha sido assim. O Brasil é o país da desigualdade. Aqui, as pessoas não têm direito de terem pensamento ideológico diferente, há uma intolerância muito grande à esquerda e à direita.

Qual era a idéia da cartilha?

A idéia era fazer um sentido provocador, chamar a atenção sobre a imagem e a dignidade das pessoas diferenciadas. A idéia foi provocar mesmo. E quem mordeu a isca em primeiro lugar? João Ubaldo Ribeiro, um cara que gosta de alardear que é conservador, detesta o governo Lula, xinga os ministros de asnos e foi contra a demarcação das terras indígenas. Ele abominou a cartilha, mas publica a cartilha semanal dele, não quer que outras pessoas tenham idéias opostas às dele.

Lula disse que Pelotas era "exportadora de veados"; disse que Windhoek era tão limpa que nem parecia África; chamou as mulheres de desaforadas porque querem o poder; e ainda alardeou ter engravidado a galega no primeiro dia. A cartilha foi para ele?

Eu não me pautei pelas escorregadelas de Lula, mas concordo que o presidente deveria ser o primeiro a lê-la. Soube que Lula criticou a gente, dizendo que "esse pessoal não tem o que fazer". Se for verdade, é uma lástima. Ele deveria ler a cartilha, e não reduzir sua importância.

Que efeito espera da cartilha?

Se as pessoas tiverem consciência, vão ter um pouco mais de cuidado no tratamento das pessoas diferentes. A idéia é levantar o debate - a linguagem é um instrumento de poder. Sendo um instrumento de poder, a linguagem pode ser uma arma de humilhação ou discriminação. Quem trabalha com as palavras tem de ter certo cuidado para cumprir a Constituição, onde está dito que um pilar da República é a dignidade humana. O resto é tempestade em copo d'água, uma tempestade, aliás, prevista, porque nós já sabíamos que estávamos mexendo num vespeiro.