Título: Intelectual critica reedição de 'censura do período militar'
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Nacional, p. A8

A cientista política Maria Celina D'Araújo, do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, diz que a cartilha Politicamente Correto & Direitos Humanos conseguiu reeditar os melhores tempos da censura da ditadura militar. "O controle das palavras e expressões nas novelas, nos jornais, nas peças de teatro, na música eram um recurso da ditadura militar", lamenta, ao qualificar a cartilha como "mais uma inabilidade do governo Lula". O cineasta Arnaldo Jabor se mostrou impaciente ao comentar a cartilha e disse que "o governo Lula não sabe o que fazer no mundo real e fica inventando bobagens para parecer que está trabalhando". Segundo ele, a cartilha é mais uma das "espumas burras" que o governo usa "para encobrir sua incapacidade de apresentar projetos de conteúdo".

O psicanalista Jorge Forbes criticou a cartilha em sua essência: "Essa tentativa de fazer ortopedia lingüística é mais um exemplo de um movimento reacionário, eugênico, racista, em que certas pessoas se outorgam o direito - dado não sei por quem - de definir a maneira correta de proceder."

INGENUIDADE

Maria Celina diz que a cartilha foi elaborada por dois movimentos - a falta de experiência do governo e o permanente impulso de controlar as pessoas de boa parte de seus integrantes. "São ações tão primárias que a sociedade organizada facilmente as desmoraliza, como aconteceu agora com a cartilha, que teve sua substância desqualificada antes mesmo de ser conhecida pela população", diz.

A cientista política faz questão de lembrar que o primeiro leitor da cartilha deveria ser o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já manifestou arraigados preconceitos contra diversos grupos sociais. "Ele fez declarações que mostraram forte preconceito contra homossexuais, contra os negros e contra as mulheres. Os termos que ele usou deveriam estar na cartilha. Estão?", perguntou Maria Celina.

Forbes explica que a língua é a principal expressão do desejo humano e é um organismo vivo, sempre em mutação. "O desejo e a língua vivem em conflito permanente", diz. "Cada que vez falo e refalo, tento me aproximar de algo que consiga exprimir melhor o meu desejo."

Ele adverte que um dos mais caros direitos humanos é a vivacidade lingüística, cuja principal característica deve ser a mais ampla liberdade de ser exercida. E detecta que existe uma febre mundial pelo controle social, seja na direita, seja na esquerda.