Título: Sobreviventes podem ajudar na busca de vacina
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Vida&, p. A16
Antes da existência de tratamentos anti-retrovirais potentes, Kai Brothers, de 42 anos, perdeu o sócio e muitos amigos para a aids. Achando que seria o próximo, ele largou o emprego, esvaziou a poupança e esperou a morte. Nada aconteceu. Há 16 anos, ele soube que era soropositivo. Desde então, nunca tomou remédios para aids nem teve qualquer sintoma associado à doença. Apesar de sua boa sorte, Brothers diz que se sente isolado: "Não me identifico com as pessoas não portadoras de HIV porque eu não sou uma delas," diz. Uma vez por mês, Brothers visita o laboratório de Jay Levy, professor da Universidade da Califórnia em São Francisco, que é também o diretor do laboratório de pesquisa de tumores e vírus da aids da universidade. Desde que a epidemia começou, em 1981, Levy tenta compreender por que Brothers e outros soropositivos podem ficar sem tratamento e saudáveis durante décadas enquanto uma pessoa média portadora de HIV contrai a aids num prazo de 10 anos sem medicação. Uma resposta que pode ajudar no desenvolvimento de uma vacina.
Levy acredita que cerca de 5% das pessoas com HIV podem permanecer sem tratamento e saudáveis depois de 10 anos. Para Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, essa porcentagem é bem menor, mais próxima de 0,2% a 0,4%. Em 1986, Levy descobriu que, nos sobreviventes, as células brancas do sangue conhecidas como CD8 secretavam quantidades minúsculas de um fator antiviral que bloqueava a replicação do vírus nas células, mas não as matava. Quanto melhor a atividade antiviral dessas células, mais saudável a pessoa.
Pesquisando o fator de Levy, o médico Robert C. Gallo, co-descobridor do vírus da aids, e Paolo Lusso descobriram três substâncias químicas, chamadas quemoquinas, no sangue desses sobreviventes de longa data, que inibem um certo subconjunto do vírus, abrindo um novo campo terapêutico. Em 1996, quando surgiram tratamentos melhores, o interesse pelos sobreviventes diminuiu, mas quando foi ficando evidente que uma vacina continuava necessária, esse interesse ressurgiu.
Sem os anti-retrovirais, o tempo de incubação do vírus HIV varia, na maioria das vezes, de dois a dez anos, conta Paulo Olzon, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre os primeiros sintomas, febre e muito suor que duram meses. Logo depois, algumas pessoas têm um tumor maligno de origem vascular (que dão manchas vermelhas na pele). Com o sistema imunológico baixo, surgem as doenças chamadas de oportunistas. "A maioria das pessoas morre com as doenças que invadem o organismo com defesa baixa, entre elas, pneumonia, tuberculose e meningite."
Os casos procurados são como o do ativista paulistano Sérgio de Abreu Santos, de 65 anos, que convive há 17 com a doença. "Em 1988 descobri que tinha o vírus. Fiquei até 1996 sem tratamento, aí comecei com o coquetel", conta ele, que nunca teve nenhuma manifestação associada à doença. "Na época, acabei procurando tratamentos alternativos, que se mostraram completamente inócuos", conta. Desde então, Santos diz que nunca teve nem resfriados. Atualmente, sofre apenas com os efeitos colaterais dos medicamentos, como a lipodistrofia (perda de massa muscular e deslocamento de gordura para outras partes do corpo) e o aumento nas taxas de colesterol e triglicérides.
"Achei que não tinha nada a fazer e guardei o exame", conta Nelson, de 40 anos, que há 15 descobriu ser soropositivo. "Não fiz nada, não senti nenhum sintoma e nem tive doença oportunista. Me considero privilegiado."