Título: A unanimidade, só, não adianta
Autor: Marcos Sá Corrêa
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Vida&, p. A18

A maioria dos paranaenses pode não saber muito bem o que é uma floresta com araucária, embora ela seja a paisagem original de seu Estado. Mas, ouvidos em março pelo Ibope para The Nature Conservancy, ONG internacional que pretende guardar os últimos paraísos terrestres, 82% dos entrevistados disseram que ela está agonizante. Não é à toa que tão poucos a conhecem. Restam no Paraná 0,4% dessa rara combinação da mata atlântica com um pinheiro nativo que se instalou no planeta há 250 milhões de anos e começou a acabar em meados do século 19, quando os madeireiros decidiram que sua madeira dava excelentes caixotes. Mesmo em Santa Catarina, onde sua liquidação total vai menos adiantada, 78% dos moradores acham que a floresta com araucárias anda com os dias contados. Daí para a frente, com variações desprezíveis de um lado da fronteira para o outro, a pesquisa mostra que os habitantes a região parecem unanimemente simpáticos à floresta condenada. Nada menos de 55% dos paranaenses consideraram sua conservação "muito importante". E 44% disseram que ela é no mínimo "importante". Entre os catarinenses, o placar ficou em 47% e 50%. E o que eles pensam da proposta de criar reservas para essas matas? No Paraná, 97% se declararam a favor. Em Santa Catarina, 98%. Estariam então prontos a colaborar com essa tentativa? "Sim", retrucaram 81% dos paranaenses e 77% dos catarinenses. Aprovariam o corte de pinheiros nativos? "Não", responderam 94% e 90%, respectivamente.

A pesquisa veio em boa hora. Pegou o último round das consultas públicas que fecharam este mês um processo aberto ainda no governo Fernando Henrique, para remendar com dois parques nacionais, duas reservas biológicas, dois refúgios de vida silvestre, uma estação ecológica e uma área de proteção ambiental os últimos estoques dos pinheirais que outrora cobriam 40% do PR e 30% de SC.

As últimas trincheiras da araucária foram escolhidas por mais de 30 técnicos que viajaram mais de 40 mil quilômetros pelos dois Estados, vendo de passagem florestas inteiras cair, derrubadas às pressas antes que o grupo chegasse para inventariá-las. Nem por isso o que sobrou vai ser entregue de mão beijada por empresas e deputados que não vivem sem a motosserra. Eles trataram de fechar o tempo em Santa Catarina no fim de abril, quando estavam marcadas as audiências públicas em Tuneiras do Oeste, Abelardo Luz e Ponte Serrada.

Essa parceria público-privada produziu para a ocasião uma dessas montagens da rebeldia de bolso, tão em voga na democracia brasileira. Madeireiras ameaçaram defenestrar todos os empregados, se as reservas passassem. E, para provar que não estavam brincando, dispensaram a turma mais cedo no dia da consulta, para encher o piquete na porta do auditório em Abelardo Luz e esvaziar a muque a platéia. Resultado: entrou meia dúzia de gatos pingados. No palco, a mesa foi virada. Recepcionados horas antes no hotel com o aviso de que na cidade se mata por muito menos que uma APA, os ambientalistas encerraram o dia escapando do auditório pelos fundos, com escolta policial.

Brilharam, na desorganização do evento, cinco deputados: Odacir Zonta, federal, e Reno Caramori, Gervásio Silva, Sérgio Godinho e Gerson Sorgato, estaduais. Eles provaram que são capazes de ir a qualquer extremo na defesa de sua causa. Pena que sua causa não seja a mesma da opinião pública. Aquela que, de quatro em quatro anos, vira eleitorado.