Título: 'Havia conluio para me acusar de incompetente'
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2005, Economia, p. B3

Eis os principais trechos da entrevista de Carlos Lessa ao Estado: Como é a sua relação com o presidente Lula?

Tenho muito boa relação com o Lula. De todo o episódio, só de uma coisa tenho mágoa: a transmissão do cargo, que pela primeira vez em 52 anos (de fundação do banco) não houve. O Lula disse que não ia dar uma tribuna para mim. Mas por quê? Eu ia poder dizer o que eu havia feito e o que eu achava que o banco devia fazer. É um direito. E eu não pude fazer. Por isso vou fazer o livro.

Acha que motivo foi evitar constrangimentos a Guido Mantega?

Não. O que haveria, na cabeça do Lula, é que eu ia mexer, baixar o sarrafo no Banco Central e no (Henrique) Meirelles. Não ia baixar o sarrafo. O que ia dizer é que o BNDES é uma instituição tão ou mais importante que o BC. Quem atacou o BNDES foi ele (Meirelles). Quando eu disse que era "um pesadelo" estava me referindo ao que ele disse no Conselho Superior de Economia. Vocês da imprensa trocaram, disseram que eu tinha atacado Meirelles.

O sr. não falou que a gestão de Meirelles no Banco Central era um pesadelo?

Não era isso. Ele (Meirelles) foi para o Conselho e disse que a taxa de juros era alta por causa dos chamados créditos dirigidos no BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica. Não assumia a política sinistra que fazia. E como eu sabia que havia um conluio para acabar com as linhas de crédito dirigido, eu disse que isto era um pesadelo. Virou eu dizendo que a política monetária era um pesadelo. Até acho que é pesadelo, mas não ia atacar uma política de governo. Saí na hora certa. Havia uma conspiração para dizer que eu era incompetente, apesar de ter dado o maior lucro da história do BNDES.

De R$ 1,4 bilhão, não é?

Não. R$ 3 bi! Eles não anunciaram R$ 3 bi porque ficaram com medo, anunciaram só R$ 1 bi. Jogaram para provisões, fizeram uma porção de operações. Porque lucro, você declara o maior ou menor. Para o BNDES dar um lucro muito grande não é bom, porque o banco é obrigado a subscrever 25% em forma de dividendos, para o Palocci (Ministério da Fazenda), e obrigado a pagar um Imposto de Renda altíssimo. Então, para o BNDES fazer um lucro muito grande não é bom.

O lucro de verdade foi de R$ 3 bilhões?

(interrompendo) É! Lucro de verdade. O que é lucro de verdade? Depende da definição contábil. Você acha que é verdade o lucro que os bancos e as empresas fazem? Elas constroem muito os seus lucros. Se acelera depreciação, reduz, se faz milhões de coisas. Por exemplo: no caso do BNDES é fácil fazer provisões. Na verdade, para o BNDES ter lucros muitos grandes é um pepino terrível, porque a Fazenda quer os dividendos e quer o IR. O IR você não consegue evitar, tem de pagar; dividendos o Tesouro poderia abrir mão, mas não abre. Então, reduz o caixa do BNDES, o que não é bom para o banco.

Quanto o banco pagou de Imposto de Renda, o sr. lembra?

O valor total não, mas eu sei a taxa: quase 40% sobre o lucro declarado. É uma brutalidade. (alterando a voz) É uma loucura. O Palocci engole, engorda com essa coisa. Se eu pudesse, também não ia declarar os R$ 3 bi. Sabia que era isso, mas não ia declarar. Eles fizeram correto em não fazer o lucro.

Eles quem?

Eles, a direção do Mantega, porque quando eu saí não estava ainda o balanço feito. Foram eles que fizeram. Eles foram corretos nisso. Fazer um lucro muito, muito, muito grande é um horror. Você paga um imposto brutal.

Qual foi o motivo da demissão?

Para mim Lula disse que precisava fazer uma composição política. Não foi composição política nenhuma. Fiquei numa situação ruim.

O sr. não considera que foi o episódio com o presidente do BC?

Posso ter a minha interpretação. Mas, ela não é pública nem é fundamentada em fatos. É subjetiva. Minha interpretação é de que saí porque houve uma operação combinada que passava pelo Meirelles, mas ele era só ponta de lança. Na verdade, estavam por trás outras forças.

Quais?

Basicamente, a Febraban e o mercado de capitais. Eu era persona non grata nessas áreas e suspeito que houve um trabalho sistêmico de queimar a minha imagem com empresários de São Paulo. Sabe por que suspeito? Porque falavam comigo. Alguns chegaram até a dizer "Você não é o bicho-papão". Porque diziam que eu era um dinossauro.

Quem dizia?

(alterando a voz) Acho que o ministro Furlan dizia. Mas, ele nunca disse isso publicamente, então não posso afirmar. Acho que é. Tenho certeza de uma coisa: havia uma campanha sistemática para dizer que eu, carioca, administrava com cariocas, professores universitários e que isso era um absurdo. Um dia fez uma gracinha: 'Como é que não sabe pilotar um teco-teco e entregam um Boeing'? Mas não tenho prova.

E o ministro Antonio Palocci?

Acho que Palocci não gostava da minha presença no BNDES de forma nenhuma. Agora, ele nunca disse: 'Não gosto de você'. Sempre foi muito simpático.

Já o ministro Furlan...

O ministro Furlan reclamou dos prazos do BNDES e abriu uma temporada para tudo o que é empresário se queixar a Lula). Era uma maneira de gastar a minha imagem. O BNDES na minha gestão foi cão de fila em relação ao dinheiro público. Estávamos interessadíssimos na qualidade do projeto. Banco de investimento está interessado na qualidade do cliente. Foi aí que eu disse: "O BNDES não é uma padaria." Houve uma animosidade contra mim e isso eu debito ao ministro Furlan, sim. Não executamos o orçamento de R$ 47 bilhões, mas também não houve o espetáculo do crescimento.

O sr. disse que o banco não emprestava porque o juro era alto.

O tempo inteiro eu pleiteei do Conselho Monetário Nacional a redução da TJLP e do Ministério da Fazenda a capitalização do BNDES. Mas o doutor Palocci não estudou a possibilidade. Acho que ao Ministério da Fazenda não interessa um banco de fomento, mas um banco de investimento. Os diretores do CMN têm mais força do que qualquer pessoa no País e não foram eleitos por ninguém. Eles travam o crescimento brasileiro.

Alguma explicação do Ministério?

Nenhuma. Esse homem é demasiado importante para dar explicação para quem quer que seja. Pergunte aos congressistas porque eles elegeram o Severino (Cavalcanti). Foi porque o ministro da Fazenda não fala com eles.