Título: 'Lógica regional' por trás de recuo do Brasil
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Economia, p. B10

GENEBRA - O recuo do Brasil em relação às eleições na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a posterior decisão de o País apoiar o candidato uruguaio Carlos Pérez del Castillo foram interpretados por diplomatas latino-americanos como um reconhecimento por parte do Itamaraty de sua derrota diplomática na corrida para o cargo máximo da entidade com sede em Genebra. Já observadores dentro da própria OMC apontam que a decisão do Brasil em apoiar o uruguaio deve ser entendida dentro de uma lógica regional e diante das pressões que o governo está recebendo de seus vizinhos. A Argentina se queixa que o Brasil pretende ocupar uma posição de liderança na América do Sul sem fazer concessões aos vizinhos. Um exemplo seria a busca do Brasil por ocupar cargos nos organismos internacionais. Já o ministro da Indústria do Paraguai, Ernst Bergen, afirmou na semana passada em Genebra que o Brasil não estava facilitando a abertura de seu mercado para os produtos paraguaios e que o tratamento dado a Assunção era equivalente ao que Brasília recebe das grandes potências econômicas.

A notícia sobre o apoio do Brasil ao Uruguai foi dada praticamente às vésperas do início da última rodada de votações para definir quem será o próximo diretor da OMC. Para o governo uruguaio, o apoio brasileiro poderá fazer com que outros países também votem pelo candidato de Montevidéu.

A eleição na entidade ocorre em etapas. Na primeira, quando quatro negociadores disputavam apoio, o Brasil contava com a candidatura do embaixador Luis Felipe Seixas Corrêa. Mas o País foi eliminado logo de cara. Na semana passada, foi a vez do representante de Ilhas Maurício, Jaya Krishna Cuttaree, ser eliminado. Para a próxima fase que começa na semana que vem, além de Castillo, o outro candidato é o francês Pascal Lamy, que no turno anterior foi quem recebeu o maior número de apoio.

Depois de ser eliminado, o Brasil optou por não votar nas eleições. O uruguaio não contava com a simpatia do Itamaraty depois de ter redigido, na condição de presidente do Conselho Geral da OMC, um rascunho de acordo de liberalização agrícola em 2003 que não favorecia aos países emergentes.

'PESO SIMBÓLICO'

Montevidéu, que se disse "muito satisfeito" com a decisão do Brasil, considerou a iniciativa de tal importância que a própria chancelaria uruguaia traduziu o comunicado de imprensa elaborado pelo Itamaraty e o enviou para os jornalistas de todo o mundo. Em Genebra, o embaixador do Uruguai na OMC, Guillermo Valles, considerou que "o peso simbólico do apoio" terá repercussões importantes para a candidatura de Pérez del Castillo.

A esperança dos uruguaios é que outros governos, como o da Índia, sigam os passos do Brasil. Para diplomatas de outros países, o Itamaraty poderia ter evitado um desgaste e até economizado recursos se simplesmente tivesse permitido que Perez del Castillo concorresse como o único candidato da região desde o início.

A nota do Itamaraty ainda causou comentários no mundo diplomático. Para alguns, pelo fato de ser breve e sem qualificar a candidatura do uruguaio, a nota mostraria que Brasil está apenas evitando uma situação ainda pior em suas relações com os vizinhos.

Segundo a chancelaria uruguaia, o ministro das Relações Exteriores do Braisl, Celso Amorim, e Pérez del Castillo estiveram ambos em Paris nos últimos dias, mas não se encontraram. Valles, embaixador de Montevidéu na OMC, confirma que as duas delegações que estavam participando de reuniões em Paris não tocaram no tema da eleição.