Título: Brasil é 2.º no ranking de mortes por armas de fogo
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Metrópole, p. C4

BRASÍLIA - O Brasil é o segundo país com maior número de mortes por armas de fogo. São entre 35 e 40 mil vítimas a cada ano, seja em assassinatos, suicídios ou mesmo acidentes. No topo da lista, que inclui dados de 57 nações, está a Venezuela. O levantamento, preparado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), mostra outro fato preocupante: 35% dos estudantes brasileiros já viram armas nas escolas. Foram ouvidos 10 mil alunos, em cinco capitais - São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Belém, Rio e Salvador. Os dados são de uma pesquisa que deve ser apresentada pela Unesco em seis meses. O objeto do estudo é justamente a violência nas escolas. A entidade estima que, no Brasil, pelo menos 20 mil alunos já tenham visto armas em seus colégios.

"Além de todos os problemas que causa, a violência ainda tem impacto enorme na educação", disse o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein. "Se as ameaças são constantes, o professor não vai ensinar bem e o aluno não vai aprender." Werthein se reuniu ontem com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), para pedir que a votação do referendo sobre a venda de armas seja acelerada.

O decreto que regulamenta a consulta popular precisa ser votado pela Câmara para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prepare a votação para outubro. Severino prometeu tentar colocar o projeto em votação em breve. No Brasil, as armas de fogo fazem mais de 21 vítimas em cada grupo de 100 mil habitantes. Na Argentina, a taxa é de 11,49.

Uma briga de trânsito mudou a vida de um estudante, então com 18 anos. Em 1996, Carlos Malk andava de carro com um amigo pelas ruas do Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo. "Foi uma leve batida, mas o motorista do outro carro se alterou, atirou em mim e fugiu."

Foram dois meses internado no hospital, depois a notícia de que tinha perdido o movimento das pernas. "Foi difícil entender que podia continuar a minha vida", disse Carlos. "A polícia conseguiu localizar o criminoso, mas pelo que sei ele já está solto."

Na zona leste da cidade, mais morte e violência. Em 1995, Ana Paula Batista de Oliveira, hoje com 26 anos, conheceu um de seus primeiros namorados. "Fui descobrir depois que ele era envolvido com drogas, mas aí já estava gostando dele", contou Ana Paula. O relacionamento provocou ciúmes de um amigo do garoto, que também queria ficar com Ana Paula. O resultado: ele matou o namorado da jovem em setembro. O crime teve seqüência.

Preocupado de ser denunciado por Ana Paula, o garoto passou a ameaçá-la. Até que um dia, no mês seguinte, encontrou a jovem, que estava com uma amiga. "Foram três tiros. Um perfurou meu pulmão. Outros dois passaram de raspão, um no rosto e o outro no braço. Minha amiga morreu." Ana Paula nunca mais pôde andar. "Se ele não tivesse arma, nada disso teria acontecido."

BALA PERDIDA

Passados dois anos da morte da única filha, o psicólogo Carlos Santiago Ribeiro, de 46 anos, ainda busca respostas para o crime. Em sua primeira viagem de metrô, a estudante Gabriela Prado Maia Ribeiro, então com 14 anos, foi atingida por uma bala perdida na Estação São Francisco Xavier, na Tijuca, zona norte do Rio. Bandidos que tinham assaltado a bilheteria do trem trocaram tiros com policiais e, na fuga, a menina foi baleada.

Diante da violência que atingiu a família, Santiago se engajou em movimentos pela paz e Justiça. Uma das campanhas que apóia é a do desarmamento. "O movimento é válido porque evita os acidentes com armas de fogo, mas não resolve o problema da violência como um todo." Santiago acredita que, se não forem tomadas providências, o Brasil pode chegar ao topo da lista da Unesco.