Título: Oposição no tom certo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Editoriais, p. A3

Como se previa, o PSDB aproveitou em grande estilo o 5.º aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - o símbolo talvez mais expressivo do esforço de modernização dos padrões da governança no Brasil, empreendido no governo Fernando Henrique - para dar a largada à campanha presidencial de 2006, embora ainda sem dispor do essencial: um candidato definido. Mas, ao contrário do que se previa, o primeiro comício sucessório tucano, em Brasília, primou pela moderação. Não faltaram, e seria assombroso se faltassem, as críticas ao governo Lula, muito menos a invocação do passado recente, quando o PT na oposição fazia coisas sobre as quais o PT no poder gostaria que se falasse o menos possível. O ex-presidente não deixou de lembrar que nove dos atuais ministros votaram contra a Lei Fiscal, "inclusive - e eu não gostaria de dizer isso porque gosto dele - o Palocci". Era a verdade histórica exposta sem rancor, a que o ministro da Fazenda, horas depois, respondeu da melhor maneira, nas circunstâncias, tratando de fazer do limão uma limonada: "Nossa bancada, onde eu me incluo, falhou", reconheceu. "Não demos apoio à lei e isso foi uma falha que o presidente Lula corrigiu ao assumir um forte compromisso fiscal no seu governo", amenizou. O que sobressaiu da jornada, além do mote eleitoral lançado por Fernando Henrique - "este país precisa de um caminho novo" - e dos debates entre tucanos e petistas no Congresso, foi a civilidade política.

Mais de um comentarista observou que os discursos no evento do PSDB, exceto o do ex-presidente, deram sono, de tão técnicos (na abordagem da Lei Fiscal) e polidos. O prefeito paulistano, José Serra, falou longamente do que precisa mudar na LRF e, de quebra, na política de juros, mas frustrou quem esperava que desancasse a antecessora Marta Suplicy pelos estragos nas finanças municipais. Tampouco os governadores de São Paulo e Minas, Geraldo Alckmin e Aécio Neves - um dos quais dificilmente deixará de ser o candidato tucano -, guardaram-se de investir contra a administração Lula. As suas falas foram consideradas "tímidas". Por esse critério, também o presidente Lula teria sido tímido, na entrevista de sexta-feira, em relação ao passado.

Agiu bem o PSDB em fazer dos 5 anos da LRF o que a colunista Dora Kramer chamou "uma festa conceitual", com a intenção de "ressaltar um estilo e marcar nítidas diferenças em relação ao governo Luiz Inácio da Silva". Ninguém será ingênuo ao ponto de imaginar que a elevação com que os tucanos se portaram nesse ensaio geral para a competição pelo Planalto se manterá no ano que vem, quando estiver exacerbado o "comichão do futuro" que o PSDB já estaria sentindo, segundo Fernando Henrique. Mas, dure quanto durar, antes assim. De um lado, porque em matéria de estridência eleitoral bastam os improvisos de Lula, dedicado 25 horas por dia à reeleição. De outro, porque o eleitor brasileiro já se cansou de deixar claro que tem horror a baixarias.

De resto, essa linha, tanto quanto seja possível mantê-la, convém aos tucanos. Sem um nome no horizonte capaz de rivalizar com o presidente nos quesitos carisma e empatia natural com a grande massa do eleitorado, resta ao PSDB confrontá-lo com um candidato que inspire confiança - como foi duas vezes o caso de Fernando Henrique - e cujas propostas, por sua seriedade, possam ser contrastadas para melhor em relação não já ao que Lula prometeu, mas ao que efetivamente tiver realizado, ou deixado de realizar até o pleito. Qualquer um dos presidenciáveis tucanos em cena poderá também lançar a cartada da competência administrativa, o indisfarçável calcanhar-de-aquiles do atual governo. Lula só tem a si a oferecer: não é pouco, mas pode não bastar.

O pior que pode acontecer à campanha oposicionista é ela enveredar pela demagogia. O próprio Fernando Henrique cometeu a apelação de cobrar do sucessor que "recupere o salário mínimo, porque está muito feio". Eis uma crítica injusta. Sabe o ex-presidente que Lula tem conseguido resistir às pressões populistas cujo atendimento seria a negação de todo o seu aprendizado sobre os limites do possível no terreno das finanças públicas. No íntimo, o crítico decerto aprova o criticado. E não há de crer que esse tipo de recurso demagógico ajudará o PSDB a reconquistar o Planalto.