Título: Exemplo a seguir
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Editoriais, p. A3

Foi, enfim, cassado pelos próprios pares, com 311 votos a favor, 104 contra, 33 abstenções e 3 votos em branco, o mandato do deputado federal André Luiz (sem partido-RJ), acusado de tentar extorquir R$ 4 milhões do empresário de jogos Carlinhos Cachoeira para livrá-lo de depor na CPI da Loterj na Assembléia Legislativa de seu Estado. Isso vem provar que, felizmente, em nossa democracia, a impunidade não foi extinta, mas tem limite. E este está subordinado à vontade popular, representada no Poder Legislativo e manifestada na legítima pressão da sociedade que, neste caso, forçou os deputados federais a deixarem de lado o espírito corporativo reinante na Casa e decretarem a sentença fatal. A votação expressiva, que também cassa os direitos políticos do réu por dez anos, traz ainda a boa nova de que o fato de ser aliado do presidente da Câmara não livra ninguém de punição. O próprio Severino Cavalcanti (PP-PE) e seu partido (dele e de Paulo Maluf) declararam voto pela punição.

É bem verdade que a atitude positiva do plenário da Câmara resultou de um mau passo anterior de seus dirigentes: anteontem, quando se comemorou o Dia do Parlamento, sob as bênçãos do papa do baixo clero tornado presidente dela, a Mesa da Câmara arquivou um pedido de investigação sobre o deputado Pedro Corrêa, presidente do partido de Severino e seu colega na bancada pernambucana. Corrêa é acusado pela polícia e pelo Ministério Público de ligações nada ortodoxas com a máfia dos combustíveis e o contrabando de cigarro. A teimosia dos deputados em se recusar a ver evidências de falcatruas do principal dirigente de um partido da base oficial antecede a investidura de Severino Cavalcanti, mas a notória opção do presidente da Casa pelo corporativismo e contra a ética manifesta-se com clareza em absurdos como o fato de o deputado cassado Ronivon Santiago, também do PP e também seu cabo eleitoral, continuar exercendo o mandato, apesar de o TRE de seu Estado, o Acre, já havê-lo cassado e até diplomado seu suplente.

Nada disso, contudo, reduz o significado positivo da cassação de André Luiz. Este senhor emergiu no noticiário como alvo de denúncias gravíssimas de uso do mandato popular como uma gazua. A Corregedoria da Câmara reuniu indícios suficientes de que ele faz parte de um grupo de espertalhões que transformaram as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), instrumentos pelos quais o Parlamento exerce sua obrigação de fiscal da sociedade, em instrumentos de chantagem aplicada contra eventuais alvos da ação punitiva. A tática é cínica: abre-se uma determinada CPI, não para apurar algum ilícito, mas para, abusando do poder de convocar ou não algum suspeito para depor, achacá-lo. Foi o que ele tentou fazer com Carlinhos Cachoeira, destinatário de tentativa de suborno do ex-lugar-tenente do chefe da Casa Civil, José Dirceu, Waldomiro Diniz, filmada e tornada pública há mais de um ano.

Flagrado com a mão na massa, André Luiz foi processado interna corporis e apelou para todos os truques possíveis. Denunciado pela gravação da conversa em que tentou a chantagem, contestou a perícia que a confirmava, indicando perito próprio, que nunca compareceu. Convocado a se justificar perante o relator do processo de cassação, Gustavo Fruet (PSDB-PR), negou-se a dar explicações convincentes para, depois, reclamar que não teve amplo direito de defesa. Fez ameaças veladas aos colegas, insinuando estar de posse de fitas que comprometiam parlamentares do Rio, que também teriam pedido dinheiro a Cachoeira. Na hora final, apostando apenas na tradição de respeito ao corporativismo pelos pares que o julgaram, apelou para a religião. Começou o dia em que seria cassado cantando, erguendo os braços aos céus e orando num culto de parlamentares evangélicos (cuja bancada reúne 64 membros). Mas nada disso o salvou.

A impunidade garantida a Pedro Corrêa e a teimosia de Severino Cavalcanti de manter na Câmara seu cabo eleitoral Ronivon Santiago, com mandato extinto pela Justiça Eleitoral, não são os melhores exemplos. O exemplo a seguir é a cassação do outro cabo eleitoral do presidente da Casa, André Luiz.