Título: Partiu de Lula a ordem para suspender cartilha
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Nacional, p. A10

BRASÍLIA - Partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ordem para a Secretaria dos Direitos Humanos suspendesse a distribuição da cartilha Politicamente Correto & Direitos Humanos. Na terça-feira, em cerimônia no Palácio do Planalto para a expansão da capacidade produtiva da Açominas, o presidente Lula chamou alguns ministros e auxiliares e perguntou o que achavam da cartilha. Sem esperar resposta, o próprio Lula disse: "Acho um absurdo, uma perda de tempo e um gasto desnecessário de dinheiro." Em seguida, perguntou ao secretário Nilmário Miranda por que "peão" é uma palavra pejorativa. "Mas Nilmário, eu sou um peão e não me importo com isso. E também chamo as pessoas de peão", disse Lula, de acordo com relato de um dos presentes ao encontro. Em seguida, Lula determinou que toda a publicação fosse recolhida. Mais tarde, num encontro com os ministros que formam o núcleo central do governo, eles e Lula ridicularizaram a cartilha, por tê-la na condição de "bobagem, uma perda de tempo e um irradiador de confusão sem motivo algum".

A cartilha tem 96 expressões condenadas por terem sido consideradas pejorativas pela Secretaria dos Direitos Humanos. Entre elas, expressões e palavras muito populares, faladas em todas as regiões do País, como "a coisa ficou preta", "sapatão", "cabeça-chata", "comunista", "peão", "barbeiro", "palhaço", "xiita" e até "funcionário público".

Em suas indagações sobre o conteúdo da cartilha, Lula ouviu ainda de um amigo a opinião de que os termos da Politicamente Correto poderiam resultar em enxurrada de ações de indenização contra o governo. "É só alguém arrumar um advogado esperto e ficar esperando a hora de pedir a indenização, sob o argumento de que determinado termo o ofendeu, porque consta da cartilha."

O próprio Lula usa mais do que "peão" - ou "peãozada" - em suas falas. Na entrevista coletiva que concedeu há uma semana, ele se referiu a "xiitas", um dos ramos do islamismo, no sentido usado no Brasil: de pessoas radicais. O termo é desaconselhado pela cartilha por não se referir ao Islã, mas a políticos ou sindicalistas radicais e inflexíveis.

O Comitê Nacional dos Direitos Humanos vai analisar o conteúdo da cartilha e dar novo parecer, a pedido do ministro Nilmário Miranda. Mas no governo há quem duvide de que ela volte a circular depois da reação do presidente Lula. A cartilha foi editada por convênio da secretaria com a Fundação Universitária de Brasília (Fubra). A impressão dos 5 mil exemplares da primeira - e já histórica - edição custou cerca de R$ 30 mil. O texto final foi do jornalista Antonio Carlos Queiroz, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas.