Título: Questão já não é se, mas quando Blair entrega cargo
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2005, Internacional, p. A14

LONDRES - Tony Blair tem habilidades verbais. Uma delas é a de minimizar as coisas. Tem havido "um certo desgaste" em sua posição como primeiro-ministro, reconheceu ele à rádio BBC. Desgaste? O descontentamento popular e a desconfiança sobre ele, centrados no Iraque, foram devastadores para sua campanha eleitoral. Não foram incentivados pela imprensa ou por âncoras arrogantes. Estava nas ruas. Oito anos atrás, quase todas as cadeiras do trabalhismo conquistadas em porções inesperadas foram ganhas em parte por causa de Tony Blair. Todos os assentos perdidos ontem foram perdidos por causa de Tony Blair.

Cada cadeira salva no último momento foi salva por uma combinação de intensa campanha local, normalmente de pessoas que se opunham frontalmente à guerra, e pela intervenção do ministro das Finanças (e principal rival de Blair), Gordon Brown.

Há uma visão de que o suficiente foi feito, e Blair seria acompanhado nos últimos comícios da campanha, não por Brown, mas mais convencionalmente pela senhora Blair, a advogada Cherie Booth. Com outro soldado morto e o Iraque se recusando insistentemente a sair da cena, esse plano logo foi descartado e Brown voltou a agir como escudo humano.

Blair entrou na campanha disposto a vender uma nova visão interna para um país que ele achava estar farto das velhas discussões sobre relações exteriores - disposto a se renovar. Não funcionou assim. Ele ficou na defensiva, um líder ferido mortalmente. Em vez de ele proteger o partido, o partido o estava protegendo, a custos altos para ele próprio.

A questão agora não é se ele vai dar o lugar para Brown, mas quando. Há duas visões extremas. A primeira é a de que ele deve se demitir dentro de semanas, reconhecendo graciosamente o dano criado pelo Iraque ao partido e ao governo. A segunda é a de que, tendo prometido cumprir o mandato inteiro, ele fará exatamente isso, ficando até 2009.

Mas o que se apresenta como mais necessário agora é uma plano de ação. É preciso saber quando Blair vai anunciar a disputa pela liderança e quando ele pretende entregá-la. Em teoria, ele poderia não fazer nada e lançar um ação para tentar merecer um novo legado. Na prática, ele sabe que é impossível.

Até que o tempo da sucessão esteja claro, a mídia vai interpretar tudo por meio do prisma das ações partidárias. A instabilidade vai dominar a agenda política.

Em questão está que tipo de governo um terceiro mandato trabalhista vai ser. Na frente doméstica, há menos diferença entre Blair e Brown sobre reformas na saúde e educação do que antes, embora Brown esteja muito mais próximo dos instintos do partido. Na área externa, Blair tem pouco apoio em casa para sua aliança com George W. Bush. E na Europa, se o país tiver de passar pelo referendo sobre a Constituição, seria muito mais fácil aprová-lo para um cético como Brown do que para Blair.