Título: Homem é, de novo, vilão contra o clima
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2005, Vida&, p. A18

Mais uma seqüência de estudos sobre como a Terra que conhecemos, espremida entre gases do efeito estufa, reage à radiação que recebe do Sol chega às mãos da comunidade científica. Hoje, a revista especializada Science (www.sciencemag.org) publica um conjunto de pesquisas e comentários fornecendo mais peças de um quebra-cabeça climático que mostra, cada dia com mais clareza, a influência negativa das atividades humanas no planeta. A radiação solar é a fonte básica de energia para que a vida se desenvolva: em um sistema climático equilibrado, a quantidade recebida pela Terra e o que devolve para o espaço são equivalentes. Se a relação muda, todo o ciclo hidrológico, glacial e ecossistêmico é influenciado.

Em um dos estudos, Bruce Wielicki, da Nasa (agência espacial americana), e colegas comprovam com a ajuda de satélites que 29%, em média, da radiação solar que incide sobre a Terra é refletida diretamente de volta para o espaço. Ele também mostra que houve uma pequena diminuição neste valor nos últimos tempos - ou seja, parte fica retida aqui.

Outra pesquisa, que mistura cientistas de diversas partes do planeta, analisa a influência de nuvens e aerossóis em suspensão na atmosfera no processo e demonstra como a superfície terrestre tem refletido mais radiação do que absorvido, conseqüência de ações como a derrubada de árvores para a formação de pastagens - movimento bem conhecido em terras brasileiras. Desde a década de 1990, os sinais da mudança têm se mostrado de forma mais evidente, diz a equipe de pesquisadores, deixando claro que o efeito estufa já muda o planeta.

Os dados são similares aos divulgados pelo climatologista americano James Hansen na semana passada, no site da mesma Science, quando mostrou que 1 watt por metro quadrado tem ficado preso na Terra, quantidade de energia suficiente para mudar, por exemplo, o comportamento dos oceanos, aumentar a temperatura e derreter algumas geleiras nos pólos, elevando o nível da água em todo o mundo.

"Isso mostra que há uma efervescência de pesquisas nesta área e que elas são consistentes, ao contrário do que falam os Estados Unidos para explicarem sua ausência do Protocolo de Kyoto", comenta o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo. O presidente George W. Bush não ratificou o tratado internacional que visa ao corte nas emissões de gases que provocam o efeito estufa ao dizer, entre outras justificativas, que existem poucas evidências científicas que ligam a ação do homem às mudanças climáticas.

"A ação antropogênica em larga escala tem repercussões importantes e é um consenso que tais efeitos estão aí e vieram para ficar", diz Artaxo. Ele concorda que ainda há muito para ser estudado e compreendido sobre o sistema climático da Terra, "o que não quer dizer que devamos ficar parados e não fazer nada".

Na próxima semana, os membros do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado às Nações Unidas, reúnem-se em Pequim, na China, para analisar o primeiro rascunho da próxima avaliação científica que lançarão em 2007. Os dados das pesquisas publicadas hoje certamente serão discutidos e devem ser usados para formar novas projeções sobre a saúde do planeta e até que ponto ainda será possível evitar o que chamam de "interferência perigosa" do clima, ponto de onde será difícil o homem retornar.