Título: A polêmica reforma sindical
Autor: Dagoberto L. Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2005, Economia, p. B2

A proposta de emenda constitucional que altera as bases da organização sindical (PEC 369) despertou grande polêmica, que se refletiu em artigos publicados neste jornal (A2) pelo ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto, e pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Eleno José Bezerra. Mas devo lembrar que as raízes da discussão já haviam sido por mim colocadas neste mesmo espaço ainda em 2004, sob o título Consensos do FNT - um alerta. Vejamos em que pé está o assunto neste momento. Primeiro, devemos conferir o que o governo alega e Bezerra confirma: que a PEC resulta dos consensos construídos no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), órgão tripartite para o qual o governo convidou representações de trabalhadores e de empresas. Era, de fato, para ser assim, mas, na verdade, o texto da PEC apresenta dois desvios importantes: a) Pontos de consenso não foram refletidos com fidelidade (exemplos: a exigência de "compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva"- como requisito de representatividade sindical - e a substituição processual do empregado pelo sindicato); b) pontos sem consenso foram incluídos ao arbítrio do governo (exemplos: a alteração da disposição constitucional sobre a representação dos trabalhadores no local de trabalho e a obrigatoriedade do desconto em folha das contribuições ao sindicato).

Depois, há que examinar a acusação de Pazzianotto: que a PEC não institui a liberdade sindical plena, como definida na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. De fato, por consenso, o FNT julgou que seria precipitada a adoção plena dessa convenção - por sinal, não ratificada pelo Congresso Nacional -, preferindo uma solução intermediária, com a instituição do princípio da "representatividade comprovada". Prevaleceu a convicção de que é preciso, antes, acabar com os sindicatos "que não representam ninguém" (como diz Bezerra), pois a pletora de negociadores com discutível representatividade torna confuso o processo de negociação. E é a negociação, conforme bem destaca Bezerra, que deverá ser o meio preferencial para regrar as relações do trabalho via "o diálogo entre empresários e trabalhadores organizados em entidades fortes", seguido, "se for o caso, pela intervenção de um mediador ou de uma câmara de arbitragem". A liberdade sindical plena deverá ser adotada mais adiante, uma vez consolidada a nova estrutura e, é claro, quando já modernizada a legislação trabalhista.

Já o vilipêndio de Bezerra contra os "empresários conservadores, ligados às velhas federações patronais", soa como mero expediente de propaganda, que merece o mais firme repúdio. É uma tentativa de desclassificar e coagir moralmente quem defende a mesma posição desde o início no FNT, firme em dois pontos: 1) Os consensos obtidos no fórum deveriam ser respeitados pelo governo, ao formular sua proposta de reforma ao Legislativo; 2) seria adotado o princípio do "single entertainment", consagrado pela diplomacia nas negociações internacionais, segundo o qual "nada estaria acordado antes que tudo estivesse acordado". Em outras palavras, representantes dos empregadores - em especial os da CNI -, conscientes da complexidade do tema, sempre se opuseram ao "fatiamento" da reforma.

Pois é esse princípio essencial que é posto em xeque quando o governo precipita a discussão da reforma sindical pelo Congresso. Como se ela não fosse simplesmente um meio para ser alcançado o que realmente interessa ao Brasil: uma legislação que garanta liberdade e segurança jurídica para os acordos negociados entre as empresas e seus empregados, a fim de permitir à gestão empresarial a flexibilidade exigida pela dura competição da economia globalizada.

Os consensos conseguidos no FNT, enquanto respeitados e fielmente transmitidos ao Congresso, poderão contribuir para que, no fórum decisivo, que é o Parlamento, se avance celeremente para a modernização das relações do trabalho no Brasil, tal como anunciou o presidente Lula. Só assim teremos empresas mais competitivas e mais empregos para os trabalhadores. Mas para tanto será indispensável uma reforma trabalhista una e inteiriça, sem "fatiamentos" que dissociem o que é inseparável.

De quase-reformas, que pouco ou nada resolvem - como a tributária e a da Previdência -, os brasileiros já demonstram estar cansados.