Título: Um pássaro solto no ar
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2005, Nacional, p. A6
Planalto está convencido de que o PMDB terá mesmo candidato a presidente A mudança de orientação do Palácio do Planalto ao PT para que passe de defensor a opositor da regra que obriga os partidos a repetirem nos Estados as alianças eleitorais feitas para a eleição presidencial resulta da quase completa convicção de que o PMDB terá mesmo candidato próprio à Presidência da República em 2006.
Nesse quadro, melhor então que as alianças estejam liberadas - e não mais presas à norma da chamada verticalização - e, independentemente da composição no plano nacional, PT e PMDB possam fazer coligações com vistas às eleições para governadores.
O governo chegou à conclusão sobre a candidatura própria nesta semana, quando, de surpresa, a executiva nacional do PMDB decidiu prorrogar seu mandato até 2007.
Com isso, os capitães do governismo dentro do PMDB ficaram impedidos de tentar derrubar, antes da eleição presidencial, a atual diretoria contrária à aliança com o presidente Luiz Inácio da Silva.
A decisão foi tomada por 11 votos contra 1, numa demonstração de unidade inusitada para os padrões pemedebistas.
A prorrogação dos mandatos é entendida no palácio como uma derrota do ex e do atual presidentes do Senado, José Sarney e Renan Calheiros, e como um "endurecimento do jogo" por parte dos governadores e do controlador da máquina do PMDB de São Paulo, Orestes Quércia.
Portanto, com a adesão do PT à tese da derrubada da verticalização, a norma teoricamente está condenada, porque todos os outros partidos (à exceção de parte do PSDB) já queriam derrubá-la.
E por que para o Planalto é tão valorosa assim a aliança nos Estados com o PMDB?
Porque o PT precisa aumentar sua presença nos governos estaduais e nessas disputas vai contar muito a questão do tempo de televisão para o horário gratuito que, ao fim e ao cabo, é o ponto onde a verticalização influi.
Ela não orienta o voto - o eleitor pode escolher candidatos de coligações diferentes, pois o voto não é vinculado - nem o comportamento dos partidos; só determina mesmo o tempo de TV.
E não é importante para Lula obter o tempo do PMDB? Em condições ideais seria, mas por ele não vale a pena sacrificar as alianças regionais.
Na avaliação do governo, os apoios que Lula terá, ou não, vão depender menos de regras eleitorais e muito mais dos índices de aceitação do presidente junto ao eleitorado.
Se ele estiver bem - "pilotando o AeroLula", na expressão de um pemedebista -, todos vão apoiá-lo, tendo candidatos ou não. Só para ficarmos no exemplo do PMDB: em 1989 e 1994 o partido teve candidatos e os ignorou solenemente.
Se Lula estiver "pilotando o sucatão", mesmo os aliados voarão para longe.
Quanto à questão do tempo: nessa altura, só os crentes nas fadas das florestas trabalham com um cenário de vitória do governo no primeiro turno e, na disputa na etapa final, o tempo não está condicionado às alianças, é dividido igualmente entre os dois finalistas. Portanto, tanto faz.
Artífices
O plano de fazer do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, candidato ao governo do Rio de Janeiro é arquitetura conjunta dos ministros Aldo Rebelo, da Articulação Política, e Eduardo Campos, da Ciência e Tecnologia, e da atriz e mulher de Ciro, Patrícia Pillar.
A idéia surgiu da avaliação de que o PT estaria - moral e eleitoralmente falando - acabado no Rio e, por isso, Lula não teria no Estado um palanque para defendê-lo na campanha da reeleição. Com o lançamento da candidatura do petista Vladimir Palmeira dias atrás pela bancada do PT na Câmara, o projeto perdeu fôlego, mas não foi arquivado.
Ciro aparece bem melhor que Vladimir nas pesquisas, mas o cearense também não quer mudar seu domicílio eleitoral para se arriscar a levar pancadas - políticas, bem entendido - a beira-mar. O PT local, os artífices do projeto têm consciência, não daria sossego ao Ciro candidato pelo PSB a bordo do estandarte de Lula recandidato a presidente.
Ocupação
Em relação a Ciro há outra linha de raciocínio e preocupação no Planalto: a possibilidade de o ministro vir a manifestar desejo de concorrer à Presidência da República.
A inquietação não vem acompanhada de uma exposição consistente de motivos. Parece mais uma aflição difusa. Mas que Lula não quer de jeito nenhum que Ciro sequer avente a hipótese de disputar com ele a Presidência, não quer mesmo.
Sendo assim, agrada sobremaneira ao presidente a existência de uma candidatura a governo de Estado que mantenha Ciro Gomes eleitoralmente ocupado.
Homem de visão
Dono de 500 mil votos para deputado federal em 2004, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, já externou a mais de um interlocutor apreensão de não repetir votação tão exitosa caso tente renovar seu mandato.
Dirceu teme que a comparação entre um número tão substancioso quanto o de 2004 e outro, a respeito do qual a expectativa seria bastante mais modesta, possa enfraquecer sua posição política; dentro do governo, se Lula for reeleito, ou fora dele, como prócer da oposição.