Título: 'Não quero deixar marca. Quero trabalhar'
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2005, Nacional, p. A7

O fato de o sr., como filiado ao PV, não ter uma bancada forte que apóie suas reivindicações como ministro, o obriga a ir para a linha de frente nessa negociação? Não é por eu ser de um partido pequeno que não tenho bancada. Nós temos uma bancada, o governo tem bancada. O governo se baseia em uma aliança entre vários partidos. A bancada governamental no Congresso é significativa.

Mas não se vê integrantes dessa bancada defendendo a Cultura

Por isso eu vou freqüentemente ao Congresso participar de reuniões nas comissões. Vou também a audiências com os presidentes da Câmara e do Senado, com parlamentares. A orfandade da Cultura não é assim absoluta no campo político. Tem toda uma área política que entende a importância da cultura e seu papel estratégico para o País. Os governistas, em especial, tem uma atenção, porque entendem que a gestão do Ministério da Cultura é parte do governo. Portanto, se a gestão for a mais saudável possível, reverterá em benefícios para o governo.

O sr. vive as mesmas angústias dos ministros da área social?

Nossas angústias são maiores que as dos ministros da Educação e da Saúde, porque eles tem orçamentos garantidos pela Constituição, o que não é o caso dos outros.

É uma boa idéia brigar por uma emenda que assegure um orçamento mínimo para a Cultura?

Até pode fazer um reforma constitucional para garantir ao Ministério da Cultura um orçamento blindado, mas eu não ousaria tanto. Não cabe isso ainda. Isso é exagerado. Exagerado no sentido político. É uma tarefa política de muita envergadura. O que é preciso é sensibilizar o Executivo e o Legislativo para que ações de fortalecimento do corpo financeiro da Cultura sejam ações que venham a se consolidar. É preciso fazer uma política de convencimento da importância da Cultura. Para mim, a Cultura é estratégica, talvez para você seja, mas não acredito que seja ainda para o conjunto do Parlamento e da sociedade. Estou falando sinceramente e devia dizer o contrário. Estou falando da correlação de forças políticas hoje. A força do setor cultural é muito menor que a de outros segmentos.

Esse debate tem de ser posto?

Você está pondo agora, junto ao ministro. É preciso ser feito. É de fato a Cultura algo estratégico? Se não foi até aqui, passa a ser agora? Acho que sim. Todas as indicações no sentido de que todo um conjunto de produção e criação migram para as áreas que afetam a cultura. Temos a economia do conhecimento, a economia da informação, que já constitui em alguns países a maior parte do PIB, como é o caso dos Estados Unidos e países da Europa, onde atividades culturais já são as maiores produtoras de riquezas. É uma argumentação importante, que precisa começar a ser colocada na mesa de discussão nacional. Cada vez mais, a cultura é a riqueza das nações, mas é preciso convencer os ministros de Planejamento, da Fazenda (essa é a parte difícil) e a própria sociedade que, muitas vezes, acreditam que podem deixar de ter o pão simbólico, o pão espiritual, se tiverem o pão material. Não há corpo sem alma, não há alma sem espírito e não há Ministério da Agricultura, sem Ministério da Cultura.

Vamos ao simbólico. O sr. está brigando por verbas, mas acabou gastando R$ 9 milhões na reforma do ministério. Isso não atrapalha sua briga por mais verbas?

Essa reforma já vinha sendo planejada há dois anos e começou há mais de um ano. O presidente Lula gosta muito de usar essas metáforas que vou usar agora. É como se tivesse cinco filhos: vem um e diz que quer ir ao cinema; o segundo diz que quer dinheiro para comprar um livro; o terceiro diz que quer comprar um sapato porque o dele já está gasto; o outro diz que precisa de dinheiro para levar a namorada ao parque de diversões e tem o quinto que diz: eu quero fazer uma viagem para visitar uma tribo indígena. Enfim, todos com seus valores, uns mais materiais e outros mais espirituais. Você tem um dinheiro só e só dá para dois. Você chega e escolhe e foi isso que eu fiz. Um prédio importante, com uma carga simbólica importante para Brasília, o primeiro a ser construído há 48 anos e o último a ser reformado, com problemas estruturais e de segurança, você tem que fazer escolhas.

O presidente Lula pode usar o mesmo argumento.

Ele pode fazer isso. Ele tem de ver. É a sensibilidade dele. Se isso acontecer vou ter de conversar com ele e dizer: presidente, o sr. acha que o Ministério da Cultura não pode ter o atendimento que precisa? E, então, o que fazemos?

O sr. só fica se deixar sua marca?

Eu não quero deixar marca. Eu quero fazer um trabalho. Uma das principais ferramentas do trabalho são os recursos financeiros. Vai fazer a lavoura. O homem está com a semente, com seu terreno obtido com muito custo, tem a mão-de-obra, mas faltou a enxada. O que ele vai fazer: ele tem que ir atrás da enxada, se não ele paralisa. Aqui é assim também. Eu sei disso e o presidente sabe disso.