Título: Seis dos principais líderes árabes não virão para cúpula em Brasília
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Nacional, p. A4

Com o foco no capital excedente das economias mais ricas do mundo árabe e nas suas importações anuais de US$ 1 trilhão de toda a sorte de produtos, a Reunião de Cúpula da América do Sul e dos Países Árabes será marcada pela ausência de pelo menos seis importantes líderes árabes que seriam os alvos essenciais dessa iniciativa. Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Líbia, Marrocos e Síria não serão representados pelos seus homens fortes. Na vizinhança, o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, também não estará presente. Não há dúvidas de que o encontro teria mais substância com a presença de Hosni Mubarak, presidente do Egito desde 81, e de Muamar Kadafi, no poder na Líbia desde 69. A vinda do presidente sírio, Bachar Al-Assad, daria outro contorno à cúpula. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou os três em 2003 e ressaltou especial apreço por Kadafi, de quem disse ter recebido lições nos anos 80.

Os reis da Arábia Saudita, Fahd, da Jordânia, Abdullah Ibn Al-Hussein, e Marrocos, Muhammad VI, frustraram as altas expectativas de participação. Sem eles, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, e o do Iraque, Jalal Talabani, estão entre os líderes árabes mais destacados que já confirmaram presença.

Iniciativa mais ambiciosa do governo Lula, a cúpula será consagrada num documento esvaziado de declarações emblemáticas e apoiado em conteúdo político discutível. O conceito de democracia "foi relativizado", segundo o Itamaraty. O termo até desapareceu nas versões preliminares. O compromisso de combate ao terrorismo - que interessaria especialmente à Colômbia - não foi além das vagas noções das resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU). A questão Israel-Palestina, porém, continua em aberto.

O texto traz os itens essenciais: a proposta de fomentar a cooperação entre as economias em desenvolvimento, a estratégia Sul-Sul, e a aliança entre as regiões em foros internacionais, sempre que possível. Não só em comércio e investimentos, mas principalmente em ciência e tecnologia - como no campo da irrigação e do controle da desertificação. Em princípio, o copião a ser entregue aos líderes das delegações dos 34 países - entre os quais 8 chefes de Estado ou de governo árabes e 9 sul-americanos - atende a um dos principais objetivos da política externa do governo Lula, com o cuidado de não tropeçar nas preocupações dos Estados Unidos e da Europa.

A Declaração de Brasília está sujeita a alterações até quarta-feira, quando termina a reunião. Os rascunhos de ambos os lados foram aproximados em encontro de chanceleres em Marrakesh, em março, com o cuidado de não ferir as suscetibilidades regionais. Durante a semana, a Liga Árabe decidiu retirar um dos parágrafos mais ácidos, conclamava à retirada de Israel dos territórios ocupados desde 1967, Sheba e Colinas de Golã.

Nas discussões em Brasília, um ponto a ser reaberto é a criação no Oriente Médio de uma zona livre de armas de destruição em massa, a exemplo da América do Sul. Meio de pressão para que Israel declinasse de seu arsenal nuclear, o parágrafo agora resvala no anúncio do Irã de que prosseguirá com seu programa, cuja finalidade pacífica é posta em dúvida pelos EUA. Como não se trata de um país de origem árabe, embora fique no Oriente Médio, o Irã não participará da reunião.

TERRORISMO

O combate ao terrorismo acabou resumido a expressões que não ultrapassam a própria indefinição da ONU. Trata-se de algo polêmico até na América do Sul. O Brasil não considera as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como tal. O acerto foi resolvido com a sugestão de que a ONU convoque uma conferência para precisar o termo terrorismo.

O texto traz mensagem contra a corrida nuclear, em favor da negociação de paz no Oriente Médio e de reforço aos compromissos multilaterais para promover o desenvolvimento e o combate à pobreza e à fome. Mas foi deixado de lado o termo democracia, apesar dos esforços da América do Sul para consolidar suas instituições. A justificativa no Itamaraty é que o conceito não se aplica a todas as sociedades. O texto tampouco fará menção aos direitos humanos de minorias e mulheres.

"A mensagem da cúpula é o entendimento e a paz nas duas regiões, que enfrentam dificuldades políticas imensas, e não a de criar um eixo contra outras regiões", disse o diretor do Departamento de África do Itamaraty, embaixador Pedro Motta Pinto Coelho. "Queremos mudar só um pouquinho a geografia econômico-comercial do mundo, dar uma sacudidela."