Título: Diplomatas alertam para política externa exibicionista
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Nacional, p. A6

A política externa brasileira está sendo usada para produzir fatores de promoção interna do governo que têm afetado as relações com países importantes, como a Argentina, assinalam dois importantes diplomatas brasileiros que foram embaixadores do Brasil em Buenos Aires. "Vemos um excesso de exibicionismo, não é assim que se faz diplomacia", condena o embaixador Sebastião Rego Barros, ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP). "Liderança não se invoca, é reconhecida e atribuída pelos outros. Tem-nos faltado sobriedade", concorda Marcos Azambuja, que também foi embaixador em Paris. "Para liderar, é preciso ter um conjunto de valores, capacidade de investimento, informações estratégicas, tecnologia diferenciada e capacidade de agir, que o Brasil não tem. Desconfio dessas afirmações de liderança, sobretudo porque não vejo instrumentos reais de poder que as justifiquem", assinala Azambuja. Já José Botafogo Gonçalves, outro top de linha do Itamaraty que também ocupou a embaixada na Argentina, condena o excesso de atores que falam pela política externa brasileira: "Eu acho um mau precedente", diz.

"É natural que pessoas influenciem a formulação da política externa, mas não podemos ter vários interlocutores praticando essa política. Temos de evitar ambigüidades em nossas posições", afirma Botafogo. "Diplomacia não comporta improvisos", aconselha Rego Barros, que dá como exemplo de "exibicionismos" a tentativa obsessiva do governo de lutar por um assento no Conselho de Segurança da ONU. "Só serve para o jogo interno, para parecer que o Brasil está ficando mais importante do que de fato é, e para excitar a sensibilidade dos vizinhos, criando dificuldades."

ARGENTINA

Rego Barros reconhece que relações entre vizinhos são sempre complexas, "principalmente quando os dois têm estágios relativamente semelhantes". "À medida que o Brasil adquire mais peso, uma estatura maior, a Argentina tem crescente dificuldade em absorver isso", diagnostica Azambuja. "O Brasil se modernizou e a Argentina foi se marginalizando no comércio mundial", concorda Botafogo.

Rego Barros não vê razões reais para a rivalidade de Brasil e Argentina, lembrando que os dois não têm diferenças ideológicas e religiosas e suas economias que não são conflitantes, pelo contrário, se complementam. Mas existem problemas estruturais que criam afastamentos: a economia argentina se desorganizou ao longo do tempo. "Desde 1930, só três mandatos presidenciais foram cumpridos até o fim", conta.

OCUPAÇÃO

Botafogo constata que até os anos 90 a Argentina tinha superávit no comércio com o Brasil, decorrente das vendas de trigo e petróleo. Mas ao longo dos últimos anos o Brasil aumentou as exportações de manufaturados e ocupou o mercado argentino. Segundo ele, o Brasil ganhou competitividade no mercado argentino e a Argentina perdeu competitividade no brasileiro. "As exportações brasileiras agregaram valor e as vendas argentinas desagregaram valor. Esse desbalance é muito complicado", diz Rego Barros.

Mas existe uma questão de amor-próprio, admitem os três. "Ninguém quebra impunemente. A recuperação de uma quebradeira é sempre penosa", completa Botafogo, ao registrar que a Argentina sofre com políticas equivocadas há muito tempo. Azambuja acha que a Argentina até saiu bem da crise, mas agora rumina suas dores e complexos naturais de quem já foi o país mais importante, mais culto e mais rico da América Latina e hoje perde importância estratégica. "A Argentina é o único país importante onde o Brasil é importante", filosofa Azambuja para explicar essa depressão nacional.