Título: Uma crise no horizonte de Roraima
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Nacional, p. A12

A homologação em terra contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, revoltou o meio militar e pode provocar a primeira crise de fundo entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as Forças Armadas. Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chegou a prever uma reação militar e alertou o governo que a homologação dos 1.747 milhão de hectares numa faixa despovoada atenta contra a soberania nacional. Os militares acham que por trás da suposta defesa dos índios e escondidos sob a fachada de ONGs estão grupos e países interessados nas riquezas minerais existente no subsolo das reservas indígenas localizadas na fronteira norte do país. Produzido pelo coronel Gelio Augusto Barbosa Fregapani, chefe do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM), lotado na Abin, em Brasília, o documento chegou ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, com a tarja de secreto e previu as manifestações que resultaram, em Roraima, no seqüestro dos policiais federais, na aldeia Flexal. Seu diferencial em relação a outros relatórios do gênero é o fato de recolocar o conflito sob a visão militar e abordar sem rodeios que da forma que seria feita - retirando comunidades e produtores de arroz - a homologação cria um vazio demográfico, atenta contra a soberania e esconde a cobiça pelas mais ricas jazidas de minério do planeta.

O subsolo das áreas indígenas situadas em toda a fronteira norte guardam o maior veio de ouro do mundo, uma grande jazida de diamantes e uma riqueza ainda incalculável em minerais estratégicos, de uso nuclear e importantes para as indústrias espacial, bélica e de informática.

"É evidente o interesse estrangeiro na demarcação contínua", escreve o coronel Fregapani, no documento que leva o título de Relatório de Situação, produzido em março deste ano, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade. Durante vários meses que antecederam a publicação da portaria que definiu a homologação da reserva, assinada por Lula e pelo ministro Márcio Thomaz Bastos, o coronel andou pela região, tomou depoimentos e conheceu em detalhes a realidade da Raposa Serra do Sol. A região é guarnecida por 60 homens do Pelotão Especial de Fronteira, cuja instalação chegou a ser combatida pelas ONGs e índios a favor da área contínua.

O relatório também faz referência à falta de ação articulada entre os órgãos públicos e questiona a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), que estaria agindo em conjunto com as ONGs internacionais.

Segundo o coronel, as ONGs estrangeiras chegaram a bancar financeiramente o trabalho de demarcação de áreas indígenas em território brasileiro. O relatório cita os rizicultores gaúchos ao lado dos índios contra a homologação, como a mais forte presença brasileira numa área despovoada, grande parte fronteira seca com a Venezuela e Guiana. O oficial da Abin acertou ao prever "fortes reações da sociedade local e dos próprios índios", caracterizadas pelas manifestações em Boa Vista, o bloqueio de rodovias dentro e fora da reserva e o seqüestro dos quatro policiais.

Um dos capítulos "as ONGs estrangeiras e a Funai contribuem para um indesejável conflito em Roraima, tentando forçar a demarcação contínua ao arrepio da ética, mesmo contra a opinião da maioria dos próprios índios, aliás, já bastante aculturados".