Título: MST testa seu poder de organização
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Nacional, p. A13

O Movimento dos Sem-Terra (MST) está colocando em teste sua capacidade de "organizar o povo para a luta" na marcha de quase 200 quilômetros para Brasília, iniciada há uma semana, com a concentração de 12 mil pessoas em Goiânia. A caminhada apresenta desafios diários que vão da simples manutenção da ordem até o suprimento das necessidades básicas desse contingente, como alimentação, higiene e saúde. O MST levou 11 meses para treinar 3 mil militantes em 23 Estados para os postos de comando numa estrutura cuja hierarquia e disciplina se assemelham às de um exército.

Os "marchantes", como são chamados os 11 mil sem-terra que caminham os 20 quilômetros diários previstos, são proibidos de dar entrevista sem a presença de um coordenador e ficam sob controle até durante o sono. Não são admitidas brigas nem consumo de bebidas alcoólicas. É exigido respeito com as mulheres. Há também grupos de não caminhantes. Na cozinha, por exemplo, as 1.200 pessoas encarregadas de preparar 22 mil marmitas por dia não saem para andar.

A Marcha Nacional pela reforma Agrária é um dos marcos mais importantes do movimento nestes seus 20 anos de existência, segundo o coordenador nacional João Pedro Stédile. "O MST passa a ser uma referência no sentido de organização dos pobres para a luta por seus direitos", argumenta. O evento transformou-se numa vitrine do movimento.

BRIGADAS

Quando saem para andar na rodovia, os marchantes usam camisetas e bonés vermelhos e carregam 4 mil bandeiras do MST. À frente, um estandarte desfralda as bandeiras do Brasil, do MST e outra, vermelha, com o retrato de Che Guevara.

Os grupos de liderança do MST formam as brigadas. Na de segurança, os 300 integrantes são identificados pelo colete vermelho. Eles cuidam de manter a fila e abordar todos os que param durante a caminhada. Também evitam que estranhos se infiltrem.

RITMO

Os coordenadores que, além do boné, usam chapéus de palha, dão o ritmo da marcha. Quando alguém passa mal, acionam a equipe de saúde. Uma das 8 ambulâncias cedidas pelo governo do Estado é convocada para o socorro. São feitos cerca de 50 atendimentos por dia.

A Polícia Rodoviária Federal acompanha o deslocamento desde Goiânia, mas não interferiu nem mesmo quando o grupo cortou cercas e entrou em áreas privadas. "Não temos voz de comando nem somos autoridades aqui. Pelo volume de pessoas, fica fora do nosso controle. Eles é que mandam", disse um policial, pedindo para não ser identificado.