Título: Ninguém sabe ao certo o que é o 'socialismo bolivariano'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Internacional, p. A16

Ataques ao capitalismo ainda convivem com propriedade privada; preocupação é o fechamento da economia

CARACAS - Afinal, o que é o socialismo bolivariano, o socialismo do século 21, que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, diz estar implementando? Ele proclama que o socialismo bolivariano é totalmente incompatível com o capitalismo, um regime maléfico que não basta reformar, mas é preciso suprimir. Por outro lado, enfatiza a identificação da 'revolução venezuelana" com a de Cuba, um país onde a economia de mercado foi praticamente eliminada por um governo ditatorial. Sentado no aprazível ambiente noturno à beira da piscina do luxuoso hotel Altamira Suites, na parte nobre de Caracas, o economista e consultor financeiro José Grasso, dono da Softline Consultores, não parece nem um pouco preocupado com a hipótese de Chávez estatizar integralmente a economia do país, e acabar com negócios como o seu. "Ele não se comprometeu a fazer isto", resume Grasso, que apóia a política econômica do presidente.

De fato, o que Chávez vem dizendo é que o novo socialismo tem de ser "inventado", e nele as empresas não se devem mover pela lógica neoliberal do lucro, mas sim por considerações sociais. Na prática, o presidente nacionalizou duas ou três empresas que tinham sido praticamente fechadas por seus donos, estabeleceu controles de preços e salários, fixou a taxa de câmbio, estimulou a proliferação das cooperativas, lança ameaças contra setores oligopolizados (como cimento), estabeleceu limites para juros e tarifas bancárias, e iniciou um namoro cauteloso com as idéias de "autogestão" e "co-gestão".

Grasso observa que, desde que foram estabelecidos controles cambiais em fevereiro de 2003, a situação econômica vem melhorando paulatinamente. Entre 2002 e 2003, a Venezuela viveu o auge das suas turbulências político-econômicas, com a tentativa de golpe contra Chávez, a greve da PDVSA e uma dramática queda do PIB. Em 2004, o PIB da Venezuela cresceu 17%, e este ano deve subir entre 5% e 8%, mas só agora o país se aproxima do nível de produção do início da década, tal foi a queda anterior. O desemprego recuou de 19%, no auge da crise, para 13%. A inflação, de 27,3% em 2003, vem desacelerando, e deve fechar 2005 em torno de 15%.

A última medida intervencionista de Chávez, nos juros e tarifas bancários, suscitou pouca reação dos bancos e nenhuma da oposição. Em um país com inflação de 15%, a população considera absurdo que os bancos estivessem cobrando taxas anuais nos cartões de crédito acima de 40%, e ficou satisfeita com o novo teto de 28%. Os venezuelanos ficam perplexos quando informados que, no Brasil, com taxa anual de inflação inferior a 7,5%, a típica taxa de cartão de crédito supera 200%.

Uma das bandeiras de Chávez que preocupa muitos economistas é a "política de crescimento endógeno", de dentro para fora, hostil à integração com a economia global. "Os países que saíram da pobreza e têm crescimento sustentado nas últimas décadas têm em comum ter adotado políticas enfocadas nas exportações", alertou em recente entrevista à imprensa venezuelana o professor Gustavo García, do Instituto de Estudos Superiores de Administração (Iesa), de Caracas. Para ele, " modelos baseados no crescimento de dentro para fora batem no teto rapidamente".