Título: Diagnóstico insuspeito
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Editoriais, p. A3

No mesmo dia em que terminou o prazo para a indicação dos 15 nomes que integrarão o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, divulgou os números do mais completo levantamento já realizado sobre os diferentes setores e instâncias da Justiça brasileira. É com base nele que o CNJ, o órgão criado em dezembro pelo Congresso para promover o controle externo sobre a magistratura e planejar a reforma do Judiciário, começará a trabalhar quando for instalado, em junho. Iniciada há dois anos, a pesquisa apurou que a ineficácia de nossas instituições judiciais não decorre do número insuficiente de juízes, como a corporação sempre alegou. Ao todo, o País tem hoje 13.474 magistrados, o que dá a média de 7,62 para cada 100 mil habitantes, um índice superior ao recomendado como ideal pela Organização das Nações Unidas (ONU). O problema está no anacronismo da legislação processual, que permite aos advogados utilizar até 120 recursos para protelar uma sentença, e na má gestão dos recursos financeiros postos à disposição da Justiça.

Embora ela custe aos cofres públicos quase R$ 20 bilhões por ano, na maioria dos casos esse dinheiro é gasto de modo perdulário, quase sempre com salários vultosos e excesso de funcionários. No Tribunal de Justiça do Piauí, por exemplo, onde os desembargadores trabalham apenas meio expediente por dia e alguns chegam a receber até R$ 40 mil de vencimentos, mais de 95% do orçamento anual é consumido pela folha de pagamento. Instalada em 26 Estados e em Brasília, a Justiça Federal tem 180 mil serventuários. A média é de 112 por 100 mil habitantes, muito mais do que o dobro da média internacional.

A pesquisa do STF informa que o Judiciário brasileiro tem 246.632 servidores, o que dá a média de 139,4 por 100 mil habitantes. No Japão e na Coréia do Sul, os tribunais têm, respectivamente, 19 e 27 funcionários por 100 mil habitantes. É por isso que nossas diferentes cortes precisam de uma revolução gerencial, para acabar com essas distorções. Considerada a melhor do país, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul gasta R$ 53 por atendimento. Na do Piauí, apontada como uma das menos eficientes, esse valor sobe para R$ 432.

Já, em termos de produtividade, de cada 100 novos processos que dão entrada nas diferentes instâncias e braços do Judiciário, apenas 40,7 são julgados no mesmo ano. Os demais 59,3 têm seu julgamento postergado para os anos seguintes. Em algumas cortes, o tempo médio de espera de uma sentença definitiva é superior a mais de uma década. Nas instâncias superiores, o Superior Tribunal de Justiça é o que julga mais rápido, enquanto o Tribunal Superior do Trabalho é o mais lento. Nas instâncias inferiores, a Justiça Federal e as Justiças estaduais do Ceará e de São Paulo estão entre as mais congestionadas. Ao todo são 116 milhões de processos em tramitação.

Esses números apontam os gargalos do Judiciário. Até agora, a instituição reclamava mais recursos para melhorar a qualidade de seus serviços. No entanto, a pesquisa mostrou que, em vez de mais dinheiro para mais varas, mais magistrados e mais serventuários, é preciso modernizar as leis processuais e induzir os diferentes tribunais a adotar padrões de gerenciamento de recursos humanos e financeiros com um mínimo de racionalidade.

Como lembrou Jobim, por mais qualificados que sejam nossos juízes, em termos jurídicos, o sistema no qual trabalham não permite sentenças e acórdãos em prazos compatíveis com o da lógica de funcionamento dos mercados. E, sem rapidez e eficiência judicial, não há como se reduzir o custo das transações nem aumentar a segurança jurídica no País, o que limita o potencial de crescimento da economia brasileira.

Esse é o mérito da pesquisa do STF. Insuspeita, por ter sido realizada pelo próprio Judiciário, ela confirma a importância da súmula vinculante, como meio de acelerar as decisões judiciais e descongestionar os tribunais. E mostra a necessidade de se profissionalizar a gestão dos tribunais, deixando-se a especialistas em administração as decisões burocráticas, o que permitiria aos juízes desempenhar com maior agilidade a tarefa para a qual foram recrutados, ou seja, a aplicação das leis.

É nessa linha que o CNJ deve caminhar, para levar nossa Justiça a entrar no século 21.