Título: Ajuste fiscal corre risco, alerta Raul Velloso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Economia, p. B3

Estudo de especialista mostra que pressões cada vez mais fortes de gastos e limites

na carga tributária ameaçam superávit primário de 4,25% do PIB até 2010

Adriana Chiarini

Mesmo que não haja crises externas, o governo federal pode não conseguir manter o ajuste fiscal com que tem garantido a estabilidade econômica. A suspeita faz parte do trabalho que o especialista em contas públicas Raul Velloso apresentará amanhã na sessão de abertura do 17.º Fórum Nacional no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Parece que isso vai cair no colo do Lula", disse Velloso. "Se não neste mandato, no próximo", afirmou, dando como certa a reeleição do presidente da República e um horizonte de tempo até 2010, em que acha que o setor público terá dificuldades em cumprir a meta anual de superávit primário (receitas menos despesas excluindo o pagamento de juros) de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), se não mudar de comportamento.

Os motivos do economista para esse alerta podem ser resumidos em três fatores. O primeiro é que a carga tributária parece ter batido no teto. O segundo é o crescimento das despesas obrigatórias federais de 15,59% do PIB de 2002 para 16,14% esperados este ano, o que corresponde a 90,6% dos gastos totais do governo federal - números que, para Velloso, podem estar subestimados. Por fim, na faixa de despesas não obrigatórias, está difícil de cortar porque os investimentos federais já estariam no "fundo do poço", com a estimativa de 0,44% do PIB para este ano.

Tudo isso dificulta a obtenção de superávit primário que represente uma economia suficiente para abater dívida pública e a reduzir como proporção do PIB. Velloso enfatiza a importância do superávit para a estabilidade e considera que o Brasil ainda é muito sensível a crises externas. Evidência disso, argumenta, seria a seqüência de altas mensais da taxa básica de juros Selic desde setembro até o mês passado, que atribui a uma minicrise externa do primeiro trimestre de 2004, pelo aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e da alta de preços de produtos negociados no mercado internacional, como petróleo e soja.

Velloso defende, no texto intitulado "Rigidez orçamentária e difíceis escolhas", que "uma combinação de políticas creditícia e fiscal mais apertadas afigura-se como a melhor escolha a ser feita no momento, do ponto de vista do combate à inflação e retomada do crescimento, embora entre em choque com certas políticas consideradas prioritárias pelo atual governo".

No mesmo texto, ao tratar da questão fiscal, observa que o conjunto de vários programas sociais reunidos sob o nome de Bolsa-Família cresceu 66,4% de 2002, quando correspondia a 0,19% do PIB, para 0,32% do PIB no ano passado. "Os gastos do Bolsa-Família passarão agora a acompanhar o crescimento do PIB, às vésperas das eleições?", questiona. "É claro que a pressão por gastos cresce em ano eleitoral."

A principal crítica de Velloso é ao crescimento das despesas obrigatórias e, dentro delas, do grupo de benefícios assistenciais e subsidiados, onde está o Bolsa Família. As despesas desse grupo cresceram 9,5% de 2002 para o ano passado, quanto chegaram a 3,92% do PIB. Para este ano, estão estimadas em 4,12% do PIB, o que vai representar 23,1%, quase um quarto, dos gastos totais do governo federal. A surpresa, na direção oposta, foi a queda dos gastos com pessoal de 5,41% do PIB em 2002 para a estimativa de 4,66% este ano, o que Velloso atribuiu a um "arrocho salarial com reajustes baixos para funcionários de renda mais baixa" e corroídos pela inflação.