Título: Para FHC, País corre risco de crise institucional
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Nacional, p. A9

Preocupado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso detectou que "está começando a haver o início do esgarçamento do processo de legitimação" do poder público no Brasil, o que poderia desaguar, segundo ele, numa crise institucional. "Isto aconteceu na Venezuela, na época do Andrés Perez, no Peru, antes e durante o governo de Alberto Fujimori, na Bolívia, no Equador, na Argentina e, no Brasil, na época do Jango", disse FHC em entrevista à revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). FHC afirmou que "o povo olha para o Congresso e não se sente lá" e disse que o atual parlamento não aprovará a reforma política porque está engolfado por "muitos interesses". Para ele, a reforma política só seria aprovada se houvesse uma crise mais grave. A eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara mostrou, segundo ele, que o governo está sem controle. "E isso é muito grave."

O ex-presidente voltou a criticar duramente o que chamou de "falta de qualidade na gestão do gasto público", condenando a substituição de técnicos por militantes partidários. "Isso diminui a eficiência da máquina, sobretudo quando são vários partidos ou vários segmentos de um mesmo partido dentro da máquina. Eles não se entendem", salientou.

INEXPERIÊNCIA

FHC disse achar que há "inexperiência" no governo Lula. "Eu tenho a sensação de que o governo atual não definiu o seu mapa, ou seja, o que quer fazer." E avaliou que o gasto público vai aumentar ainda mais, sem equivalente na eficiência da gestão. "Eu acho que o governo Lula não tem capacidade de gestão", disse. Ele aprofundou as críticas à paralisia das reformas e a ortodoxia na elevação das taxas de juros.

Afirmou que o Brasil está perdendo "janelas de oportunidades", advertindo que o ciclo da abundância de capitais está terminando. Segundo ele, o governo terá dificuldades para atrair capitais para o projeto das PPPs porque não conseguiu fazer as reformas necessárias. "O sistema capitalista funciona com ciclos. Às vezes a gente se esquece disso", observou, enquanto alertava que uma economia não cresce continuamente.

FHC previu que a situação do câmbio "vai piorar" e questionou o sucessivo aumento das taxas de juros. "Em certos momentos mais vale, com prudência, não fazer esse aumento para não cortar um ciclo positivo", receitou, afirmando que o erro do Banco Central tem sido "de dosagem".

CANDIDATO

O ex-presidente negou que será candidato à presidência em 2006, mas disse que não aceita firmar um compromisso escrito a respeito: "Eu não. Política muda", desconversou. Não negou que pode ser candidato a governador de São Paulo, lembrando os exemplos de Rodrigues Alves, governador depois de ser presidente, e Jânio, prefeito. 'Isso não é demérito nenhum", constatou.

Para ele, os principais desafios do Brasil hoje são fazer a reforma política e avançar em segurança e educação. O maior problema, segundo sua avaliação, é a segurança pública. "Eu disse uma vez, cheio de maldade, que tinha resolvido a questão da inflação e que o Lula teria que resolver a da segurança. Porque é mais fácil resolver a inflação. Isso não é uma tarefa para um governo. É de convergência. É de corrupção do Judiciário, da polícia. O sujeito está preso e comanda o crime. O sistema está podre", ponderou.

O ex-presidente também fez severas advertências quanto à política externa brasileira, afirmando que o Brasil está ficando isolado, com a asfixia do Mercosul e a paralisação das negociações da Alca. "Os americanos estão fazendo acordos bilaterais", disse, lembrando que a cada acordo os americanos ganham condições especiais de competitividade na vizinhança brasileira.