Título: Ministro por um fio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2005, Notas & Informações, p. A3

E xpirou, ao que parece, o prazo de validade do deputado Aldo Rebelo, do PC do B, à frente do Ministério da Coordenação Política. A pasta, como se sabe, resultou do desdobramento da Casa Civil, para que o titular José Dirceu pudesse ser o "capitão do time" federal. Agora já não é o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, a pedir em público a cabeça do ministro "mais querido do Congresso", como diz o senador Ney Suassuna (PMDB), numa avaliação compartilhada pela maioria dos parlamentares não-petistas.

Em março, quando estava para sair a reforma ministerial, cancelada porque o deputado Severino Cavalcanti a rigor chantageou o presidente, o secretário petista externou o que há muitos meses os companheiros no Planalto plantavam na imprensa sem assumir a paternidade do comentário - a articulação política de um governo encabeçado pelo PT só poderia caber a um quadro do PT. Mesmo que a reforma saísse, porém, dificilmente Lula nela incluiria a troca de Rebelo por um dos seus.

Não só porque também ele aprecia o talento político do aliado, mas porque a arquitetura de sua substituição exigiria arranjos internos complexos e a superação de resistências na base aliada que, compreensivelmente, não quer que o PT tenha ainda mais poder. Desde então, porém, a desarticulação da base e das relações entre o Executivo e Legislativo - impondo a Lula uma seqüência de derrotas de variada importância - reavivou as chamas para a fritura de Rebelo.

Há dois meses, referindo-se à articulação, o secretário Pereira falou que "vaza água por tudo que é lado". Na semana passada, segundo o noticiário, Lula falou em "fundo do poço". E, na segunda-feira, ninguém menos que o ministro da Comunicação do Governo, Luiz Gushiken - um dos membros do politburo do presidente, ao lado de José Dirceu, Antonio Palocci e do próprio Rebelo -, disse que seria "mais normal" que o partido majoritário comandasse a coordenação política.

Gushiken não é de fazer afirmações que sabe que contrariariam o presidente. Assim sendo, duas questões se colocam de imediato: quem irá para o lugar de Rebelo e, mais importante, que recursos terá o sucessor para tirar a articulação do fundo do poço. Começando pela segunda, é de recursos, em sentido literal, que se trata, ao fim e ao cabo. A lealdade dos aliados varia na razão direta da liberação de verbas e da nomeação de apadrinhados para cargos de confiança. O resto vem por gravidade.

Por isso se dizia que a caneta de Rebelo "não tem tinta" - faltava-lhe o poder de fazer cumprir os compromissos que assumia. Na realidade, a capacidade do governo de atender às demandas da base é duplamente limitada. De um lado, pelo aperto fiscal que retém a execução orçamentária. De outro, pela opção preferencial do Planalto por nomeações de petistas para a imensa maioria dos milhares de empregos acessíveis sem concurso. É duvidoso que esse quadro se altere substancialmente no curto prazo.

Sugere-se o contrário se o papel de Rebelo tornasse a ser exercido por Dirceu, com a volta da coordenação política para a Casa Civil. (Outra alternativa sempre mencionada é a manutenção da pasta nas mãos do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, alinhado com Dirceu.) O estorvo é que, bem ou mal, Dirceu já acumula a gerência do governo, o controle das nomeações e o Ministério da Reeleição que, embora fictício, é mais ativo que a maioria dos que são reais.

Além disso, nada assegura que a caneta de Dirceu transbordará de tinta. Antes ainda da posse, ele garantiu um ministério ao PMDB. Levou mais de um ano até Lula honrar o compromisso. Nasceu daí a desconfiança do partido diante das garantias planaltinas. Por fim, há uma verdade solar: o coordenador político último do governo é sempre o presidente. Mas Lula não tem paciência com os políticos - e nem os impressiona como estadista que se impõe até quando os desatende.

Ele é um líder de massas, não um artífice político. O senador Antonio Carlos Magalhães acaba de dizer que ele "engana bonito com aquele palavreado que (sic) o povo acredita e não faz nada". A rude crítica parece ter mais do que um fundo de verdade. O ministro Gushiken contou anteontem haver conversado várias vezes com o presidente sobre a sua superexposição, tantas as suas aparições - e as suas falas. "A culpa não é minha", teria objetado Lula. "Tenho de trabalhar."