Título: Kirchner volta para casa e surpreende Itamaraty
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2005, Nacional, p. A4
Ao considerar "esgotado" o sentido político da reunião de cúpula da América do Sul e dos Países Árabes e abandonar o evento no final da tarde de ontem, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, surpreendeu a chancelaria brasileira. Kirchner tornou-se a principal ausência no jantar oferecido ontem pelo seu colega Luiz Inácio Lula da Silva aos líderes presentes, no Itamaraty, e na cerimônia de encerramento da reunião, na manhã de hoje. Depois de o governo argentino ter passado as últimas semanas criticando a política brasileira para a integração dos dois países, a saída inesperada de Kirchner do encontro acabou provocando mal-estar, embora as autoridades do governo do presidente Lula procurassem amenizar o fato. No dia anterior, representantes da indústria argentina já tinham aumentado o tom das discussões com os brasileiros, endossando as críticas feitas pelo governo da Argentina contra a suposta falta de interesse do Brasil em ajudar na integração comercial dos dois países.
Arisco a encontros do gênero, Kirchner poupou-se de um enfado maior ao alcançar os seus objetivos em cerca de 24 horas de permanência em Brasília. Na noite de segunda-feira, logo depois de desembarcar na capital, havia contornado a mais recente controvérsia com Lula em um jantar, sob a observação do venezuelano Hugo Chávez.
Ontem, Kirchner confirmou a inclusão de um parágrafo na declaração final da cúpula no qual líderes árabes e sul-americanos reafirmaram seu apoio à soberania argentina nas Ilhas Malvinas.
"Temos coisas a fazer", afirmou um assessor direto de Kirchner ao ser questionado sobre as razões do embarque antecipado a Buenos Aires. "Para nós, o sentido político da reunião está esgotado", completou outro assessor.
Mesmo com o mau humor aguçado, Kirchner, de um lado, e a União Industrial Argentina (UIA), de outro, conseguiram da reunião de cúpula bem mais que a aproximação econômica e comercial com o mundo árabe.
Durante o jantar na Granja do Torto, Kirchner e Lula controlaram politicamente a convulsão provocada pelas declarações críticas do chanceler argentino, Rafael Bielsa, ao Brasil e pela ameaça de Buenos Aires de impor novas barreiras a produtos brasileiros.
Repassaram as discussões sobre as questões mais nevrálgicas do comércio bilateral aos ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Economia Argentina, Roberto Lavagna. Ao mesmo tempo, tentaram impulsionar a discussão sobre a integração energética e a exploração de petróleo na Argentina a seus respectivos ministros da Energia, como um sinal do bom entendimento.
Lavagna, entretanto, deixou a reunião de cúpula com claros sinais de irritação. Desde o ano passado, o ministro da Economia da Argentina tenta a aprovação de Brasília a um mecanismo que acionaria automaticamente medidas de salvaguardas - as clássicas medidas de proteção comercial - em casos de desequilíbrios econômicos e comerciais entre os dois países. A resposta negativa do Brasil para essa iniciativa não mudou.
O embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração Econômica da Argentina, afirmou que Kirchner sentiu-se satisfeito com os resultados de seu encontro com Lula. Por isso, decidiram cancelar a reunião reservada com Lula, que ocorreria ontem à noite.