Título: Ajudar a política de juros
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Economia, p. B2

Meirelles está repetindo o que o presidente Lula já avançara na entrevista coletiva à imprensa, no dia 29. Lula disse que "os juros não podem ser o único instrumento de controle da inflação" e que a concentração desse objetivo na política dos juros foi um dos três maiores erros de sua administração.

As declarações sugerem que há algo em preparação nos laboratórios de Brasília. Há várias clavilhas a ajustar, mas ninguém espere demais dessa operação.

A primeira delas está no âmbito da política fiscal (receitas e despesas do governo). No ano passado, as despesas não financeiras da União cresceram nada menos que 18,4%, enquanto a inflação foi de 7,4%. Isso não significa que as metas do superávit primário (sobra de arrecadação destinada à redução da dívida) tenham sido abandonadas. Significa apenas que o aumento de 26,3% na arrecadação foi torrado em mais despesas públicas.

Essas despesas cresceram na forma de mais contratação de pessoal, mais salário para o funcionalismo público e mais serviços feitos pelas empresas que, em última análise, criam renda. Mais renda aumenta o consumo e, se a produção não acompanha o consumo, a inflação de demanda (mais procura do que oferta de bens e serviços) fica inevitável. Se adotada, a redução das despesas vai na direção do aumento da austeridade. Se esses recursos forem canalizados para aumento do superávit, maior parcela da dívida poderá ser abatida e mais rapidamente poderão cair os juros. Resta saber se o governo está disposto a resistir junto à boca do cofre à medida que se aproximarem as eleições.

Outra área de atuação do governo é a do crédito ao consumo. O próprio presidente Lula admitiu dia 26 que o despejo de recursos no crédito "não está em nenhum manual". No Brasil, o volume de crédito ainda é insignificante: estava nos 24,2% do PIB em março. Sua expansão é saudável porque movimenta o sistema produtivo. Mas nos últimos 12 meses o crédito com recursos livres cresceu 24,9%. Isso sugere que a expansão rápida do crédito também tenha gerado inflação de demanda. Se o Banco Central disciplinar melhor a concessão de créditos, pode ajudar a controlar a inflação.

Uma terceira medida seria a desindexação dos contratos dos preços administrados. O presidente até mencionou algo nessa direção. Preços administrados são aqueles cujos reajustes são feitos ou por lei ou por contrato. Nos últimos 40 anos, o Brasil adotou a praga do reajuste pela inflação passada (indexação). Cerca de 29% dos preços que compõem as despesas do custo de vida estão nessa categoria, como as tarifas dos telefones, água e luz. O problema é que eles não reagem aos juros: o reajuste será sempre pelo que consta no contrato. Liberalizar esses preços (como ocorreu com os combustíveis) implica mudar leis e renegociar contratos, área sensível num país que tem uma história de desrespeito a regras do jogo.

Outro campo de atuação é o incentivo às importações. Mais importações não só ajudariam a reequilibrar o câmbio interno, que caminha para uma sobrevalorização indesejável do real, como também a elevar a oferta interna de bens e, portanto, a cercear a inflação de demanda. Complicado é fazer isso. O governo poderia reduzir o Imposto de Importação, como fez para o aço. Mas os compromissos no Mercosul e na Organização Mundial do Comércio deixam pouco campo para ação.

Finalmente, é preciso, também, incentivar investimentos. Com mais investimentos, aumentará a produção, haverá mais oferta de mercadorias e serviços e, nessas condições, a inflação terá menos oxigênio para avançar.

Mas, ninguém se iluda, nada vai substituir a austeridade, tanto na política fiscal como na política monetária (política de juros).