Título: Desembolso cresce nas favelas
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Economia, p. B18

Mesmo a custos elevados e praticamente sem a participação recente do BNDES, o ritmo de concessão de crédito para negócios em comunidades carentes, que forma a base do microcrédito, vem superando a taxa de crescimento das operações do Sistema Financeiro Nacional. Ano passado, a Viva Cred, criada para incentivar a expansão de pequenos negócios em favelas do Rio, emprestou R$ 7,5 milhões, ante R$ 5,5 milhões de 2003, uma alta de 35,5%. As operações para pessoas físicas realizadas pelas instituições financeiras tiveram aumento de 28,5% no mesmo período, mas com cifras absolutas muito superiores (R$ 113,2 bilhões em 2004 e R$ 88 bilhões em 2003). Aos 50 anos, Antonio Milton de Souza planeja comprar um computador para o seu quiosque de não mais de 2 m2 na entrada da Rocinha, favela da zona sul do Rio. Vendedor de acessórios para telefones celulares, ele pegou o primeiro empréstimo há cinco meses para abrir sua loja. Com R$ 2 mil na mão, comprou o primeiro lote de produtos. Hoje, tem lucro líquido que imaginava registrar só daqui a 12 meses. Por isso, já pensa em expansão.

O aumento do crédito para favelas também tem superado o índice de crescimento dos desembolsos do BNDES. De janeiro a março, o volume de empréstimos da Viva Cred cresceu 10,7%. No mesmo prazo, os financiamentos do BNDES subiram 10%.

"Fiz um plano de negócios para o médio e longo prazo. Imaginava lucro em até um ano, mas com três meses já atingi a meta" diz Souza, que cursou só até o primeiro grau. Munido de seu caderno de contabilidade, o comerciante exibe com orgulho suas contas. Mês passado, por exemplo, teve faturamento bruto em torno de R$ 10 mil, gastou R$ 7 mil com compras e teve lucro de R$ 2,2 mil. Por dia, suas vendas foram de R$ 359.

O último levantamento oficial realizado para medir a quantidade de pequenos negócios em favelas cariocas é de 2000, diz Adriana Fontes, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets). Por esse levantamento, havia 107 mil microempreendedores, dos quais 84 mil só na capital. Segundo ela, 25% dos comerciantes tinham o negócio há mais de 9 anos e 93% não tinham constituição jurídica. Atualmente, os únicos dados disponíveis são da Viva Cred, que contabiliza 2 mil microinvestidores na Rocinha e outros 1,2 mil no Complexo da Maré, zona norte da cidade.

Depois de passar fome logo após ter migrado de Pernambuco para o Rio, Nivaldo dos Santos, de 59 anos, tem planos de abrir um sacolão na Rocinha. Ele tem uma barraca de frutas e outros tipos de alimentos há oito anos. Analfabeto, resistiu ao máximo quando ouviu falar de microcrédito a juros baixos, de até 4% ao mês ou 0,33% caso o cliente pague em dia as prestações. Depois de criar coragem, ele já pegou 14 empréstimos na Viva Cred. "Peguei emprestado R$ 2 mil há pouco para comprar carne seca e inhame da Paraíba", conta, orgulhoso. A receita mensal de Nivaldo chega a R$ 12 mil. Ele compra o quilo do inhame por R$ 3,50 e revende a R$ 20, e a carne seca é adquirida por R$ 4 e revendida a R$ 10 o quilo.

Para o superintendente da Viva Cred, Teófilo Cavalcanti, a melhora da economia e as iniciativas do setor público para facilitar o acesso ao crédito têm melhorado a qualidade de vida nas comunidades carentes. "O comércio já é mais sofisticado. Há seis anos não havia nem mototáxi por aqui." Segundo ele, os empreendimentos que mais crescem nas favelas cariocas são ligados a alimentos, videolocadoras, barbeiros e salões de beleza.