Título: Microcrédito fica mais caro com mudanças do BNDES
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Economia, p. B18

O microcrédito vai ficar mais caro. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma das principais fontes de recursos, vai elevar em 0,5 ponto porcentual ao ano o custo de obtenção de crédito pelas entidades repassadoras, em sua maioria organizações não-governamentais. Para o microempreendedor, estas agências poderão cobrar juros de até 4% ao mês, o que corresponde a uma taxa anualizada de 61%. As mudanças já foram comunicadas aos agentes repassadores, mas ainda não foram oficialmente divulgadas pela direção do banco. O patamar de juros para o tomador final do empréstimo é alto. Não chega a ser equivalente aos juros médios cobrados pelo mercado bancário para financiamento pessoal, de 74,4% ao ano, pelos dados mais recentes do Banco Central (BC). Mas, supera em muito o das operações de crédito consignado com desconto em folha, de 37,1% ao ano, também segundo o BC.

O diretor da Área Social do BNDES, Maurício Borges Lemos, reconhece que o custo é alto, mas explica que o aumento dos juros de 2% para 4% ao mês virá acompanhado de outras medidas que tornarão "mais realista" o programa. Uma delas é que estão sendo abolidas exigências de garantias "impossíveis de serem cumpridas" pelos agentes repassadores, como a apresentação de ativos reais. Agora, as garantias serão estudadas caso a caso e os representantes das entidades assumirão responsabilidade pessoal sobre os contratos, antes feitos com mandatários que não podiam ser executados judicialmente.

"O programa, na administração (Carlos) Lessa, estava baseado em 'achismos' ideológicos, não na realidade operacional. Acreditava-se que uma taxa superior a 2% era agiotagem. Mas, naqueles padrões, somente uma operação foi concretizada ao longo de dois anos, para o banco de fomento de Sergipe. O programa de microcrédito, que chegou a ter R$ 40 milhões em carteira, caiu praticamente a zero", comenta Lemos, um dos dois únicos remanescentes da direção anterior a integrar a equipe atual, de Guido Mantega.

O banco está negociando com a Caixa Econômica Federal e bancos estaduais de desenvolvimento para formar um novo estágio de atuação.

Hoje, o BNDES ocupa o chamado "primeiro piso" das operações, repassando recursos para agências de fomento, cooperativas de crédito, organizações da sociedade civil (Oscips) e sociedades de crédito ao microempreendedor (SCMs), que compõem o "segundo piso". "Queremos criar três pisos, tendo algumas instituições como intermediárias. Por terem mais capilaridade, uma rede grande de agências, elas podem elevar a abrangência do programa", diz o diretor.

Como está dimensionado, o microcrédito, em sua opinião, "dificilmente vai passar dos R$ 100 milhões ao ano". "Quando conseguirmos implementar todas as mudanças, chegaremos sem dificuldades ao patamar anual de R$ 1 bilhão em dois anos", garante. Lemos acredita que as medidas tornarão o programa mais acessível, apesar de mais caro. E sustenta que o encarecimento, na verdade, não existe, mas sim um barateamento, já que no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o programa foi lançado, a taxa final chegava a 7% ao mês.

Como, em 2003 e 2004, "o programa ficou parado", o diretor considera que ele de fato não existiu e, portanto, não se pode fazer comparação entre taxas de juros. "Estamos fazendo coisas básicas, o feijão com arroz que não existia no programa antigo (até 2002) e nem no que não rodou (2003/04)."

O banco está fazendo uma espécie de recadastramento das 32 entidades autorizadas a operar com o programa. Todas terão de apresentar planos de negócios delimitando sua área de atuação. A intenção é tentar fazer com que as entidades atuem cada uma dentro de cadeias produtivas específicas. O novo programa pretende aumentar o rigor na avaliação dos pedidos.

"Não havia nem fixação de um colchão de liquidez antes. Havia agentes que repassavam 100% dos recursos tomados, o que não é recomendável porque fica sem liquidez, e houve casos de picaretagem, de quem não repassava nada. Essa entidade chegou a dizer que não encontrou microempreendedores interessados em pegar empréstimo", diz Lemos. Ele informou que, a partir de agora, todos serão obrigados a repassar 80% dos recursos obtidos no banco e manter em operações financeiras somente 20% para pagamento de pessoal e custos operacionais.

O valor mínimo a ser solicitado pelas entidades é de R$ 1 milhão, como já havia sido estabelecido em novembro do ano passado, e o prazo para pagamento foi mantido em oito anos, mas o nível de participação do BNDES subiu para 85% no total dos projetos de microcrédito. O banco estipulou para estas operações remuneração pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP, atualmente em 9,75%), mais remuneração de 0,5% ao ano e uma taxa de risco de crédito de 1% ao ano. "Na prática, isso corresponde a 11,25% ao ano, ou 0,91% ao mês para os agentes", diz Lemos.