Título: Desnudando a reforma sindical
Autor: Flávio Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2005, Economia, p. B2

A proposta de reforma sindical entregue pelo Executivo ao Congresso Nacional, ao contrário da propaganda oficial, não tem a chancela de empresários e trabalhadores. O governo federal, buscando travestir um projeto que é só seu em proposta da sociedade, definiu seus interlocutores, escolhendo-os justamente entre aqueles que ao longo dos anos se encastelaram num sistema sindical não representativo e que não serve mais ao País. Quando se fala em consenso na proposta, fala-se numa construção entre o governo federal e as entidades de cúpula da atual organização sindical brasileira - confederações patronais e centrais de trabalhadores. O consenso foi alcançado na esfera limitada e não democrática do Fórum Nacional do Trabalho. Os empresários nacionais em momento algum foram ouvidos, não sendo verdadeira a afirmação contida na exposição de motivos do projeto de que "trabalhadores e empregadores escolheram livremente suas representações". As empresas varejistas hoje reunidas no IDV, que são responsáveis por 25% das vendas legais em todo o território nacional, com um faturamento anual de R$ 66 bilhões, gerando 300 mil empregos diretos, não foram admitidas na discussão.

A necessidade de alteração do atual sistema de representação sindical, que tem sido pródigo ao abrigar sindicatos "de gaveta" ou "de carimbo", sem nenhum compromisso com a efetiva representatividade sindical, é inquestionável. A solução encontrada na Constituição federal de 1988, de casamento da liberdade sindical (não-interferência e não-intervenção do Estado na organização sindical) com a manutenção da unicidade sindical, se mostrou ineficaz, tendo contribuído para a proliferação de sindicatos não representativos. A reforma pretendida tem como foco principal legitimar os sindicatos a partir de critérios de representatividade aferíveis. Concordamos com a premissa, mas de nada adiantará todo este esforço da sociedade e do Congresso Nacional, caso mantida a atual legislação trabalhista. Com efeito, o que se busca é legitimar os atores das negociações coletivas, mas essa legitimação será inócua se não existir espaço para negociar. Figurativamente teremos grandes atores no palco da negociação coletiva, mas eles não terão "script", pois a peça já está toda escrita na legislação trabalhista.

O atual marco legal de proteção do trabalho é extremamente rígido e detalhado, não abrindo espaço para a negociação coletiva. Assim, é injustificável que se trate da reforma sindical apartada da reforma trabalhista. Estamos falando de um sistema orgânico que reúne a organização sindical, a negociação coletiva e a legislação do trabalho, e que não pode ser discutido de forma fatiada.

Defendemos três princípios básicos na reforma sindical: 1) Liberdade para a empresa negociar; 2) liberdade sindical; e 3) um sistema não-estatal de solução dos conflitos. A proposta encaminhada ao Congresso não atende a esses princípios e aos desejos da sociedade.

A grande conquista da não-interferência e não-intervenção do Estado na organização sindical alcançada em 1988 sucumbe ante o sistema de concessão de personalidade sindical pelo ministro do Trabalho, ouvidas as entidades de cúpula. A proposta quebra a unicidade sindical, mas não decreta o seu fim, pois a possibilidade de reconhecimento de personalidade sindical para mais de uma entidade no mesmo âmbito de representação é uma verdadeira exceção diante do conjunto de normas criadas. A regra de reconhecimento apenas de sindicatos que comprovarem a sua representação merece aplausos, mas a exceção - que pode virar regra - da representação derivada (sindicatos sem representação mantidos pelas entidades de cúpula) acaba com todos os méritos da proposta principal.

O alegado fim das contribuições compulsórias é uma falácia, pois a contribuição sindical é substituída pela contribuição negocial, de natureza obrigatória para filiados e não-filiados, sem direito de oposição e instituída independentemente do sucesso da negociação coletiva. A nova contribuição dos empregados supera em mais de quatro vezes a atual contribuição sindical.

Finalmente, o fim das comissões de conciliação prévia intersindicais, o exagerado aumento do número de dirigentes sindicais com garantia de emprego e a criação obrigatória de representações de empresa, mais uma fábrica de garantias artificiais de emprego, em nada contribuem para a efetividade da negociação coletiva e para a diminuição dos conflitos trabalhistas.

Desnudada a proposta, a conclusão óbvia é que ela não serve para o Brasil que produz, emprega e paga impostos.

*Flávio Rocha é presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV)

Eliana Cardoso excepcionalmente não escreve seu artigo hoje.