Título: Internet e TV por assinatura podem ter reserva de mercado
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2005, Economia, p. B15

Dois projetos, um na Câmara e outro no Senado, buscam fechar os mercados de internet e de conteúdos para TV paga e celular, impedindo a atuação direta de empresas internacionais. Apresentados no ano passado, querem que a restrição de capital estrangeiro na radiodifusão, que está em 30%, passe a se aplicar também a estes setores. As medidas abririam espaço para grandes grupos locais, como as Organizações Globo, estenderem sua posição dominante às novas tecnologias. "Existe uma preocupação das TVs abertas com a competição internacional", apontou o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da PUC-SP. Em entrevista à revista Tela Viva, publicada em fevereiro, o presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, chegou a afirmar que "já que a legislação permitiu 'vender o corpo', que é a infra-estrutura, tem que 'preservar a alma', que é o conteúdo". O fato é que as empresas de telecomunicações invadem cada vez mais o terreno da televisão. Na Espanha, a Telefónica opera um serviço chamado Imagenio, de TV por assinatura via telefone, e já faz testes para trazê-lo ao Brasil.

Empresas de internet como Terra e Yahoo! Brasil e canais como Sony e Fox, que já atuam no País, teriam dois anos para se adaptar. Na prática, seriam obrigados a se associar a uma empresa brasileira, que iria se tornar um atravessador de conteúdo.

De autoria do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça, tendo como relator Fernando Bezerra (PTB-RN). "A tramitação é tranqüila", afirmou Vilela. "Queremos forçar para que o relatório seja votado na quarta (hoje), e que a proposta vá a plenário em, no máximo, um mês." O Projeto de Lei 4.209, do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE), trata do mesmo assunto e tem vários pontos em comum com a proposta de emenda. Piauhylino espera que seu projeto seja votado ainda este ano.

Os dois parlamentares apontam a defesa da cultura nacional como o principal motivo para as propostas, mas, curiosamente, os textos não impõem qualquer limite mínimo ou obrigatoriedade de vinculação de conteúdo nacional. O único obstáculo à programação estrangeira é conseguir um distribuidor brasileiro. "As propostas acabam obrigando os produtores estrangeiros a recorrerem a corretores nacionais de conteúdo", explicou o advogado Floriano de Azevedo Marques, professor da USP.

Se aprovados, os projetos reduziriam as opções de conteúdo formatado ao público brasileiro na internet e na TV paga. "A sujeição dos provedores a essas limitações pode violar o direito constitucional de acesso à informação", afirmou o advogado Guilherme Ieno Costa, especialista em comunicação. Existem ainda dificuldades técnicas de que os textos não tratam. Nada impede que uma empresa crie, fora do Brasil, um site com conteúdo para o público brasileiro, que poderia ser acessado livremente pela internet. Para impedir isso, só se houvesse um grande filtro de conteúdo para todas as conexões do País com o mundo, como existe na China, o que seria um duro golpe na liberdade individual.

"Os projetos são censura. Não passam desse jeito", afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), António Tavares. "Eles têm muita coisa que precisa ser consertada", acrescentou o diretor-presidente da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg. Para ele, a retomada pelo governo das discussões para elaborar um anteprojeto de Lei de Comunicação de Massa coloca os projetos "na prateleira".

As duas associações não acreditam em uma evolução rápida dos projetos, mas esta não é a visão dos parlamentares ou de especialistas em legislação. De acordo com o senador Maguito Vilela, o governo está de acordo com a sua proposta: "Já enviei o texto para a Casa Civil e tive a sinalização de que estão de acordo".

"Os projetos caminham a passos firmes, constantes e discretos", ressaltou o advogado Floriano de Azevedo Marques. "Se aprovados, o Brasil pode viver 20 anos de retrocesso ou, pelo menos, estagnação." Sobre a Lei de Comunicação de Massa, o professor da USP acredita que são "dois movimentos que podem perigosamente se encontrar". Carlos Ari Sundfeld alertou que, dado que muitos parlamentares são acionistas diretos ou indiretos de empresas de comunicação, se não for bem conduzida, a discussão pode causar um "problema político sério", com resultados desastrosos. "A história começa assim, mas, como termina, ninguém sabe."