Título: Debate mesquinho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2005, Editoriais, p. A3

Se depender dos governadores, dificilmente haverá reforma tributária, uma das mais importantes para que a economia brasileira possa modernizar-se, competir em todos os mercados e criar empregos. A discussão amesquinha-se de forma constrangedora. Converteu-se numa briga feroz pelos pedaços do bolo de impostos e contribuições, enquanto os aspectos centrais da reforma são esquecidos ou tratados como irrelevantes. Já não é grande coisa o projeto em tramitação na Câmara, mas sua aprovação seria um progresso. No mínimo, tornaria menos badernada a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual. Em vez de 27 legislações, haveria um padrão nacional que definiria níveis de alíquotas, limitaria o arbítrio de cada governo e dificultaria a guerra fiscal entre Estados.

Seria um avanço, mas insuficiente. O ICMS ainda incide nas compras de máquinas e equipamentos, prejudicando o crescimento econômico e diminuindo o poder de competição das empresas brasileiras. As empresas podem recobrar o imposto, mas em 48 meses, o que anula, na prática, a desoneração fiscal.

Para uma efetiva reforma tributária seria preciso ir muito além do projeto em tramitação na Câmara, mas, por enquanto, o indispensável é aprová-lo e pelo menos disciplinar a gestão do ICMS. Mas até esse avanço muito limitado é duvidoso neste momento, porque há pouco ou nenhum espaço para a modernização tributária na pauta de governadores, prefeitos e parlamentares.

A bancada do PMDB na Câmara dos Deputados decidiu votar contra a versão do projeto aprovada pelo Senado. Os peemedebistas condicionam a aprovação da reforma ao atendimento das ambições dos governadores. Estão dispostos, segundo informaram, a votar uma emenda aglutinativa que os secretários estaduais vêm discutindo com a Comissão Especial da Reforma Tributária.

Um dos pontos centrais dessa discussão é a transferência de recursos federais para "compensar" os Estados pela isenção das exportações de produtos primários e semi-elaborados. Essa isenção foi criada nos anos 90 pela Lei Kandir, que eliminou um dos grandes defeitos do sistema tributário brasileiro. A lei determinou o pagamento de uma compensação aos Estados durante alguns anos, mas esse dispositivo foi prorrogado. Deveria ter valido por tempo limitado, uma vez que a expansão da renda produzida pelo aumento das exportações deveria resultar, como deve ter resultado, em maior arrecadação para os Estados.

Os governos estaduais, no entanto, continuam cobrando a "compensação" como se a renúncia, que inicialmente representou um custo, ainda onerasse os Estados. É uma tese muito discutível, mas o governo federal cedeu às pressões, desde a gestão tucana, e prorrogou o que deveria ser provisório. O tema da "compensação" ganhou importância central no debate da reforma. Nenhuma proposta alternativa será aceitável, segundo o governador do Rio Grande do Sul, o peemedebista Germano Rigotto, sem uma resposta às pretensões dos governadores.

Como deputado, Rigotto havia sido relator do projeto da reforma, com uma atuação elogiável. Eleito governador, parece ter assumido a visão fiscalista de quem se preocupa quase exclusivamente com a receita de cada mês, sem as preocupações mais amplas de quem discute uma reforma que poderia ser muito importante.

Governadores do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste também se mantêm distantes dos grandes objetivos de uma reforma tributária. Para renunciar à guerra fiscal, uma distorção inegável, cobram a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional. A criação desse fundo é uma questão pacífica, mas há divergências sobre como alimentá-lo. O relator da comissão, deputado Virgílio Guimarães, havia concordado, recentemente, com a proposta de atribuir a essa finalidade 1% da receita dos Impostos sobre a Renda e sobre Produtos Industrializados. Mudou de idéia, no entanto, e passou a defender a destinação de 0,5%. Governadores discordam, e ainda há os que resistem à idéia de proibição da guerra fiscal.

Reduziu-se a isso o debate de uma reforma que poderia ser um marco divisor na história do desenvolvimento brasileiro. Reformas importantes, no entanto, são produzidas por pessoas com visão de estadista.