Título: Rombo ainda supera os US$ 600 milhões
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2005, Economia, p. B6

A que se deve essa desaceleração do déficit comercial americano, de US$ 60,57 bilhões em fevereiro para US$ 54,99 bilhões em março, de acordo com os dados oficiais divulgados ontem pelo Departamento do Comércio? Ele ainda é superior a US$ 600 bilhões, mas pela primeira vez em muito tempo parou de crescer. A pergunta se justifica, pois um dia antes, na terça-feira, nada menos que 67 economistas entrevistados pela agência de notícias Bloomberg previam um déficit de US$ 61,9 bilhões que não se confirmou... Surgiram imediatamente várias interpretações no mercado financeiro internacional. Alguns, como Steve Wood do Insight Economics, disseram que essa melhora surpreendente pode ser temporária. "Como a demanda interna é mais robusta do que a economia global e as importações são maiores do que as exportações, mesmo agora passando de US$ 100 bilhões, será extremamente difícil diminuir essa base." Mas a principal resposta era que somente agora estavam surgindo os efeitos da subvalorização do dólar, que já dura mais de um ano.

Mas seria apenas isso? Não, respondiam outros. A China, diziam eles, estava se retraindo diante das pressões para que desvalorizasse o yuan. De fato, as importações americanas do mercado chinês recuaram pelo segundo mês consecutivo, mas, assim mesmo, de janeiro a março a China continuava mantendo um superávit de US$ 42 bilhões.

"Estamos importando menos da China e o seu governo não está pressionando para as empresas ali baseadas exportem mais para os Estados Unidos (reduzindo subsídios, por exemplo)." Essa frase de Joel Naroff, empresa americana de assessoria que leva seu nome, resumia tudo. Bem, tudo não, dizia ele, ainda um crítico severo da política comercial da China que só vê o seu bem-estar e fecha os olhos para crises futuras, como há alguns anos, ali mesmo, na Ásia.

Mas, assim mesmo, com esse déficit menor, mostra que o governo chinês está atento a, digamos, aceitar a pressão liderada pelos Estados Unidos. Não há portanto razão alguma para que todos continuem pressionando fortemente o governo chinês. O déficit com a China recuou 7%, mas as exportações chinesas para os EUA nestes três primeiros meses do ano, somente em um setor, tecidos e roupas, produtos de algodão em geral, aumentaram 54%, em comparação com o mesmo período de 2004.

Não havia ontem uma única voz no mercado que aceitasse uma acomodação com a China, por causa dos resultados de março. "São ridiculamente pequenos", dizia ele. E mais, como estamos vendo, a China pode muito bem deixar de pressionar o mercado americano, indo buscar clientes em outros países. (Será que ele estava se referindo ao Brasil...?)

"Acreditamos que o governo chinês está se preparando para dar maior flexibilidade na sua política cambial." Por isso mesmo, este é o momento para aumentar a pressão sobre um governo que subsidia as empresas exportadoras e explora - sim, este é o termo - os trabalhadores e viola todas as regras da OMC.

Apesar do resultado mais positivo de março, nestes três meses o déficit comercial dos EUA, anualizado, é de US$ 696 bilhões, ou seja, 12,5% acima do recorde do ano passado, de US$ 617 bilhões.

CABEÇAS VÃO ROLAR...

Ontem mesmo aconteceu algo inacreditável na China. O banco central desmentiu uma notícia do próprio jornal do governo, O Jornal do Povo. Na sua edição online, acessível no site do Financial Times, FT.com, o jornal informava que uma apreciação do yuan poderia ser anunciada, "possivelmente abrindo a estreita margem faixa do yuan".

Foi um deus-nos-acuda! O porta-voz do banco central, o Banco do Povo, afirmou que "não houve nenhuma mudança na política do remnimbi (textualmente, moeda do povo)". "E a notícia?", perguntaram os jornalistas. "Deve ter sido um erro de interpretação..." Como a notícia surgiu um dia após nova pressão do secretário do Tesouro do EUA, muito analistas ficaram duvidando da desculpa do porta-voz.

Isso, esse erro de interpretação ou ou tradução, apenas aumentou ainda mais o volume de recursos que estão entrando na aposta de que o yuan vai se desvalorizar mesmo. Muita gente vai ganhar, muitos vão perder. E nós ficamos, aqui nesta coluna, solidários com o colega chinês que "cometeu o erro", deve ter perdido o emprego, e, certamente, já passou a ser um "inimigo do povo..."

Coisas do "comunismo capitalista" que reina na China...

DÁ PARA COMPETIR?

O Estado de quarta-feira publicou, na página 9, uma entrevista exemplar que Fernando Dantas, da sucursal do Rio, fez com o economista Dong Tao. As principais frases devem ser reproduzidas. O sr. Dong não é um joão-ninguém. Ele nasceu em Xangai, trabalha em Hong Kong e é o principal analista dos países asiáticos do Crédit Suisse First Boston, CSFB. Após ter dito que os trabalhadores chineses do setor fabril trabalham 14 horas por dia, 7 dias na semana, praticamente sem nenhuma proteção trabalhista, "e ainda são produtivos", o sr. Dong faz a seguinte afirmação a Fernando Dantas:

"Você pode contratar e demitir sem restrições, não há absolutamente nenhum tipo de benefício e a maior parte das fábricas não tem qualquer seguro." E leiam mais isto: "Se o dedo de um trabalhador for cortado, talvez alguém pague mil remnimbis (moeda chinesa), mais ou menos US$ 150." E comenta:

"Isso é triste do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos, mas é absolutamente positivo para o capitalismo." Para ele, meu caro leitor, a China é um país que adotou o regime político comunista, mas tem um mercado capitalista... E, acrescenta, nesse mercado existe uma oferta ilimitada de mão-de-obra, pois existem 480 milhões de trabalhadores rurais querendo trabalhar na indústria.

E, agora, permanecem aquelas perguntas que inquietam a todos, mas ninguém responde: Até quando isso vai durar? E o que poderá acontecer quando acabar?