Título: Presidente, as aparências enganam
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

É compreensível o entusiasmo do presidente Lula com o desempenho do País ao longo dos últimos 15 meses. Ao responder a um jornalista sobre quais os três erros que o governo teria cometido ao longo do seu mandato, o presidente foi categórico, afirmando que "é difícil reconhecer um erro num governo que acerta tanto".

Quando analisamos os resultados de 2004 em relação ao que foi o Brasil nos últimos dez anos, dá para entender o porquê do otimismo do presidente.

A economia cresceu 5,2% no ano passado, gerando, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, mais de 1,5 milhão de empregos com carteira assinada.

Nossas exportações chegaram perto dos US$ 100 bilhões, o que fez nossa conta corrente deixar de ser deficitária e passar a superavitária (1,94% do PIB em 2004), um fato a ser efetivamente comemorado.

Nossa dívida externa caiu para menos de US$ 200 bilhões e deixou de ser um problema, o que levou o governo a não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Entretanto, quando nos comparamos aos demais países emergentes, é muito fácil perceber como as aparências enganam.

O Brasil tirou proveito do cenário internacional favorável e efetuou alguns avanços, mas os demais países não ficaram parados.

Evoluíram também e de maneira mais significativa do que nós.

Enquanto nossa economia crescia 5,2% em 2004, o conjunto dos países emergentes cresceu 6,5%.

Esse crescimento acelerado possibilitou que houvesse melhoras significativas nesses mercados, as quais, infelizmente, não foram acompanhadas pelo Brasil.

Enquanto nossa taxa real de juros - a mais alta do mundo - é superior a 12% ao ano, a média dos mercados emergentes é inferior a 2% ao ano.

Nossas reservas internacionais líquidas (deduzindo o que é devido ao FMI) são inferiores a US$ 40 bilhões, enquanto as reservas da China são de US$ 659,1 bilhões; as da Índia, US$ 135,3 bilhões; as do México, US$ 64 bilhões; e as da Rússia, US$ 133,7 bilhões - só para citar alguns países.

Nossas exportações, que já chegaram a ultrapassar os US$ 100 bilhões anuais no começo deste ano, ainda representam apenas 1,1% do comércio mundial, quando, pelo tamanho da nossa economia, deveríamos ter participação bem mais significativa.

Nossa carga tributária (36,61% do PIB) é das mais altas do mundo, o que nos dá pequeno poder de manobra para novos aumentos, caso necessário.

A dívida líquida do setor público caiu em março para 50,75% do PIB (importante redução quando sabemos que em 2003 alcançou 57,3% do PIB), mas isso ocorreu graças à diminuição do peso da dívida externa, que com a desvalorização do dólar ficou bem menor quando medida em reais.

E o que mais preocupa é que, apesar da melhoria verificada no último ano, segundo o International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, somos apenas a 51.

ª economia mais competitiva do mundo.

Como em 2002 ocupávamos a 37.

ª posição, fica evidente que estamos perdendo terreno entre os 60 países pesquisados pelo IMD.

Diante dessa realidade, e quando os maiores bancos centrais do mundo, em reunião recente na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS), na Basiléia, alertam que o atual cenário econômico internacional exige cautela, principalmente dos países emergentes, é hora de agirmos para reduzir nossas vulnerabilidades.

Em vez de o presidente Lula fazer promessas para 2008 ("nenhum brasileiro deixará de ter um bico de luz em casa"), o importante é cumprir as promessas da campanha passada e fazer com que os 10 milhões de empregos sejam criados e todo brasileiro tenha direito a café pela manhã, almoço e jantar.

Há menos de duas semanas, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) emitiu manifesto afirmando que a economia está perto da retração por erros econômicos cometidos pelo governo, especialmente três: juros altos, excesso de gastos do Estado e falta de ação do governo para recuperar o valor do dólar.

E o fato é que essa retração já está ocorrendo, pois, segundo o IBGE, a indústria estacionou no primeiro trimestre, o que evidencia a desaceleração da economia.

Além do mais, temos o déficit da Previdência projetado para R$ 40 bilhões em fins de 2005.

Embora o governo anuncie medidas para reduzi-lo, na prática pouco - ou nada - foi feito.

A reforma tributária - essencial para a melhoria da competitividade das nossas empresas - serviu, por enquanto, para acertar o caixa do governo federal, dos Estados e municípios.

A redução da carga tributária e dos custos para as empresas ainda não saiu do papel.

E os avanços esperados se tornam menos prováveis quando o próprio secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, vem a público para afirmar: "Está na hora de os Estados darem uma demonstração de interesse na reforma; as negociações estão encerradas.

" Não bastasse, como tudo depende do Congresso, o desalento torna-se ainda maior porque desde a eleição do deputado federal Severino Cavalcanti para presidente da Câmara nada de importante aconteceu em Brasília.

Estamos, na verdade, vivendo uma preocupante paralisia política.

Como se vê, não temos tempo a perder.

O presidente Lula tem 18 meses para mudar as "aparências" e fazer com que tenhamos, de verdade, um Brasil mais forte e mais justo.

E o desafio é grande, gigantesco, na verdade, quando se sabe que o próprio vice-presidente da República, José Alencar, é cético quando afirma que o Brasil cresce a taxas muito inferiores à sua capacidade, o que tem agravado o "empobrecimento" nacional.