Título: Corporativismo caro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2005, Notas & Informações, p. A3

O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao aumento dos vencimentos dos funcionários do Congresso e do Tribunal de Contas da União foi uma medida indispensável para a manutenção do equilíbrio fiscal da União. Mas não se pode deixar de observar que, se o presidente da República precisou lançar mão do poder de veto, criando uma crise com a Câmara e o Senado, isso se deve à verdadeira bagunça que marca as relações entre o Executivo e o Legislativo. As mesas da Câmara e do Senado decidiram dar um aumento linear de 15% aos servidores do Legislativo depois que o Executivo concedeu a algumas categorias de servidores reajustes que variaram de 15% a 37%. O senador José Sarney e o deputado João Paulo Cunha, que presidiam o Senado e a Câmara, pretendiam conceder o benefício por ato das Mesas, o que dispensaria a anuência do presidente da República, mas esbarraram em impedimentos legais.

"Mui amigo", o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, aconselhou-os a utilizar um precedente legal e submeter a proposta de aumento aos plenários das duas Casas, na forma de projeto de lei. Desde sempre, o Executivo sabia que não existiam os recursos orçamentários para cobrir o reajuste - uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal - e que, se fosse concedido o benefício, seria inevitável a sua extensão linear a todo o funcionalismo federal, com desastroso impacto sobre as finanças públicas.

Apesar disso, o Executivo preferiu assistir ao desastre que se armava no outro lado da Praça dos Três Poderes como se aquilo não lhe dissesse respeito e fosse matéria interna corporis do Congresso. Na verdade, fez pior que isso. Na Câmara e no Senado, o projeto foi relatado por parlamentares do PT, que recomendaram a sua aprovação. O senador Aloizio Mercadante, que como líder do governo teve de explicar ao Senado as razões do veto do presidente da República, foi um dos relatores que deram sinal verde para a tranqüila tramitação do projeto.

Aprovado o aumento pelo Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu-se diante do dilema de sancionar o projeto - e com ele um aumento que ampliaria a imoral diferença de salários entre os servidores dos três Poderes e, além disso, produziria um desequilíbrio das contas públicas - ou vetá-lo, criando uma nova crise com o Congresso.

Felizmente, o presidente Lula decidiu pelo veto. Às ameaças do senador Renan Calheiros e do deputado Severino Cavalcanti, de que o Congresso derrubará o veto, o presidente Lula retrucou que, nesse caso, recorrerá ao Supremo, argüindo a inconstitucionalidade do projeto, que padece do insuperável vício de origem de criar despesas sem que existam os recursos para cobri-las.

A firmeza que o presidente Lula demonstra agora deveria ter sido demonstrada no ano passado, quando o corporativismo que impera na Câmara e no Senado levou seus presidentes a pleitear um aumento injustificável. Agora, com o veto, não apenas pioraram as relações entre o Palácio do Planalto e a sua base parlamentar, como o presidente Lula está sendo acusado de não cumprir compromissos assumidos com os parlamentares - o que, aliás, não é novidade.

O reajuste pretendido para os servidores do Legislativo é um despropósito, sob qualquer ângulo de avaliação. Os salários médios no Legislativo são de R$ 9.089 - há funcionários que chegam ao fim da carreira com vencimentos de R$ 34 mil -, contra R$ 8.845 no Judiciário e R$ 3.220 no Executivo. Desde 1995, a folha de salários do Legislativo cresceu 229% em termos nominais.

Descontada a inflação, o aumento real foi de 64%, contra um crescimento de apenas 12% da folha do Executivo. Entre 2000 e 2004, a despesa com pessoal do Executivo cresceu 16,3%, e a do Congresso, 36,5%.

O senador Renan Calheiros alega que as economias orçamentárias feitas pelo Senado bastam para cobrir o aumento de 15%. O superávit obtido, porém, alcançou cerca de R$ 30 milhões, muito abaixo dos R$ 577 milhões que seriam gastos com o reajuste.

Mas o fato é que a discussão sobre as economias feitas pelo Senado é irrelevante. Concedido o reajuste de 15% aos servidores do Congresso, o governo, mais cedo ou mais tarde, seria obrigado a estender o aumento, por força da isonomia, a todo o funcionalismo federal, a um custo de R$ 9,8 bilhões anuais. O corporativismo, como se vê, custa caro.