Título: Bancos aumentam aposta no crédito
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2005, Economia, p. B1

Os bancos resolveram, enfim, apostar as fichas na sua principal finalidade - o fomento à economia do País - e emprestar dinheiro para a população. Confiantes na continuidade do crescimento econômico, focaram sua estratégia no crédito, especialmente para pessoas físicas, e já colhem frutos da decisão. Exemplo disso é o avanço da participação das operações de crédito em seus lucros. Levantamento da consultoria Austin Rating, com as quatro grandes instituições financeiras (Bradesco, Itaú, Unibanco e Banespa) que apresentaram balanço do primeiro trimestre, revela que os empréstimos e financiamentos já representam 45,6% das receitas operacionais. Em contrapartida, os ganhos de tesouraria (basicamente, empréstimos para o governo) recuaram, apesar das constantes altas da Selic (em 19,25% ao ano), que remunera os títulos públicos. Enquanto a participação das operações de crédito avançou 18,44% no primeiro trimestre de 2005, comparada a igual período de 2003, a parcela referente a títulos e valores mobiliários caiu 26%. Há dois anos, a receita de tesouraria representava 34,8% do total. Hoje, está em 25,7%. "As instituições substituem os ganhos de tesouraria por um mais consistente, que vem do crédito", afirma o presidente da Austin Rating, Erivelto Rodrigues.

No Bradesco, 31% do lucro no primeiro trimestre deste ano, de R$ 1,205 bilhão, veio das operações de crédito. O destaque no maior banco privado do País ficou por conta dos empréstimos e financiamentos à pessoa física, cujo peso na carteira total subiu de 30% para 36%, superando o segmento de grandes empresas.

No total, o volume de crédito da instituição cresceu 20%. "Apesar da alta da Selic, não percebemos retração no crédito. Nossa expectativa é que continue crescendo", afirma o presidente da instituição, Márcio Cypriano, para quem havia muita demanda reprimida de crédito ao consumidor.

No Itaú, segundo maior banco privado, a carteira de crédito saltou 31,2% e a receita das operações 34,9%. Com esse aumento, os ganhos com empréstimos atingiram 48,29% da receita operacional - alta de 46,38% sobre o primeiro trimestre de 2003. A participação dos ganhos com tesouraria recuou de 32,94% para 19,90%.

Os bons resultados fizeram alguns bancos reverem as projeções de crescimento do crédito no ano. Segundo o vice-presidente corporativo do Unibanco, Geraldo Travaglia, no segmento de pessoa física, a carteira deverá avançar entre 22% e 27%. A previsão anterior era de 20% a 25%. "O crédito ao consumo cresceu mais que o estimado", afirmou.

Na avaliação do vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, a opção pelo crédito é muito mais vantajosa para o banco, pois o ganho com essas operações é superior ao dos títulos públicos. Segundo a Anefac, a taxa média do empréstimo pessoal chega a atingir 96,04% ao ano; do cartão de crédito, 222,86%; e do CDC, 53,22%. São as maiores taxas do mundo.

Em contrapartida, a concessão de crédito, especialmente para pessoas físicas e pequenas e médias empresas, tem um risco maior. Mas os bancos garantem que já desenvolveram ferramentas seguras para análise de crédito. Apesar disso, as provisões para devedores duvidosos aumentaram no primeiro trimestre deste ano comparado a igual período de 2004. Segundo a Austin Rating, as despesas com provisão subiram 41,6%, para R$ 1,64 bilhão.

Oliveira afirma que nos últimos 12 meses o crédito para pessoa física, segundo dados do Banco Central, cresceu 33,1%, somando R$ 124 bilhões. Para o diretor de cartões e financiamento ao consumo do HSBC, Henrique Frayha, o aumento deve-se especialmente ao surpreendente desempenho dos empréstimos consignados, com desconto em folha, que superam R$ 12 bilhões. A expectativa é de continuidade de aumento da carteira de crédito. "O HSBC é um banco cuja estratégia global é financiar o consumidor", diz Frayha. No Brasil, a instituição começou a se preparar para o crédito ao comprar a financeira Losango, em 2003. No ano passado, adquiriu Valeu e Matone.

Outros bancos também fizeram grandes aquisições e alianças nos últimos meses. O Bradesco, por exemplo, fechou parcerias com o Banco PanAmericano e as Lojas Colombo, além de comprar a rede de distribuição do Banco Morada. No ano passado, foram oito negócios, entre eles a aquisição do Banco do Estado do Maranhão (BEM), em fevereiro.

Apesar do crescimento do crédito, o Brasil está bem longe de outros países. O crédito representa apenas 26,7% do Produto Interno Bruto. Mas a tendência, se o desempenho da economia continuar positivo, é que os empréstimos e financiamentos permaneçam em alta.