Título: O desafio do limite de 17%
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2005, Economia, p. B2

Uma recente nota técnica conjunta das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado mostra a dificuldade que o governo terá para manter as despesas correntes primárias da União em, no máximo, 17% do Produto Interno Bruto (PIB), como estabelece o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2006. A principal razão apontada pelo estudo é que já está contratado para o próximo ano um aumento considerável dos chamados gastos obrigatórios e sociais. Somente com o pagamento de benefícios da Previdência Social e com as transferências de renda, as despesas da União deverão crescer algo como 0,14% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006. As transferências de renda (por meio da bolsa família, etc.) deverão beneficiar 8,5 milhões de famílias este ano, com um custo estimado em R$ 6,5 bilhões ou 0,33% do PIB. A meta do governo Lula é atender 11,2 milhões de famílias em 2006. As consultorias da Câmara e do Senado calculam que essa meta implicará em gastos equivalentes a 0,43% do PIB - ou seja, uma elevação de 0,1% do PIB.

Os gastos com benefícios previdenciários, por sua vez, deverão subir de 7,3% do PIB, estimados para 2005, para 7,34% do PIB em 2006, segundo projeção das consultorias. A nota técnica adverte, no entanto, que essa projeção foi feita com a perspectiva de que o valor do salário mínimo a partir de maio de 2006 não ultrapassará R$ 322,00, como está previsto no projeto de LDO. Esse valor resultará de um reajuste do mínimo pela inflação do período (medida pelo INPC) e um aumento real equivalente ao crescimento real do PIB per capita.

A nota técnica não estima o crescimento dos gastos com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 2006, mas adverte que as despesas assistenciais e aquelas atreladas ao salário mínimo foram as que mais cresceram nos últimos anos. Os pagamentos de benefícios previdenciários, por exemplo, cresceram 1,42% do PIB de 2000 para 2005. A previsão de gasto previdenciário para este ano é a que consta do decreto 5.379, de fevereiro, que contingenciou o Orçamento da União. O aumento decorreu, principalmente, da elevação do valor do piso salarial no período. Somente este ano, as despesas previdenciárias subirão R$ 9 bilhões por causa do novo mínimo de R$ 300,00, informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em entrevista ao Estado.

As despesas anuais com o pagamento de abono e seguro desemprego, da LOAS e da renda mensal vitalícia aumentaram 0,18% do PIB de 2000 para 2005. A nota técnica das consultorias mostra que as despesas com as transferências de renda para as pessoas carentes cresceram 94% entre 2002 e 2005. Em outras palavras, os gastos sociais e obrigatórios são os que mais aumentaram nos últimos anos. O ministro Paulo Bernardo disse, no entanto, que esta foi uma opção do governo Lula.

A questão é que o limite de 17% para as despesas correntes primárias, que consta do projeto de LDO para 2006, é incompatível com a continuidade de crescimento dos gastos obrigatórios e sociais acima do crescimento do PIB. Eles poderão até crescer em termos reais, mas não como proporção do PIB. As despesas correntes primárias incluem os gastos com a Previdência, com pessoal, com a LOAS, com as transferências de renda, com todo o custeio da máquina administrativa e excluem as transferências constitucionais ou legais aos Estados e municípios, os gastos com o serviço da dívida, com investimentos e inversões financeiras.

O aumento dos gastos obrigatórios e sociais terá que ser compensado pelo corte das despesas com o custeio da máquina administrativa para que o limite de 17% seja obedecido. O governo não vai poder utilizar mais o velho expediente de cortar dos investimentos - como fez nos últimos 15 anos. Os gastos com investimentos não são despesas correntes. O alvo dos cortes será o custeio da máquina. O problema, como observa a nota técnica das consultorias, é que as despesas de custeio somam atualmente apenas 1,2% do PIB. Ou seja, o universo para o corte é relativamente pequeno.

A nota técnica informa que a proposta orçamentária para 2005, enviada pelo governo em agosto do ano passado, estimava as despesas correntes primárias em 17,9% do PIB. Na Lei Orçamentária deste ano, as despesas correntes caíram para 17,5% do PIB e, no decreto 5.379, que realizou o contingenciamento orçamentário, elas foram reduzidas para 17,1% do PIB. Estão, portanto, 0,1% do PIB acima do limite para 2006. O governo terá, portanto, que cortar nos gastos de custeio 0,24% do PIB no próximo ano para se enquadrar no limite: 0,1% do PIB por conta do excesso deste ano e 0,14% por causa do crescimento das despesas obrigatórias e sociais.

É um desafio e tanto em ano eleitoral. Mas se o Congresso aprovar o limite de17% para as despesas correntes primárias, o governo poderá resistir mais facilmente às pressões em torno do aumento das despesas sociais e do salário mínimo no próximo ano. Talvez essa seja a melhor leitura da intenção do projeto de LDO.