Título: 'Brasil passou a ser um país sério'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2005, Economia, p. B3

Para o novo secretário-executivo da Fazenda, o governo assume compromissos para cumprir e não para ficar só na intenção

MUDANÇA ENTREVISTA MURILO PORTUGAL Secretário-Executivo da Fazenda PAULO SOTERO Correspondente WASHINGTON O economista Murilo Portugal, de 56 anos, que assume hoje o segundo posto na hierarquia no ministério mais importante do governo, avisa que não está interessado no emprego do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "Tenho excelente relacionamento com o Meirelles", disse. "Ele foi uma das primeiras pessoas a saber do convite que o ministro Palocci me fez e conversou comigo várias vezes para me incentivar a aceitar." Seu objetivo profissional, que ele não esconde, é ter uma experiência no setor privado depois de cumprir mais um período no serviço público, do qual já está oficialmente aposentado depois de mais de 30 anos como funcionário do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Para o novo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, o trabalho de braço direito do ministro Antonio Palocci é, acima de tudo, um pagamento de uma dívida de gratidão ao País por ter-lhe permitido viver nos Estados Unidos num período crucial de sua vida, durante o qual recuperou a saúde, seriamente abalada dez anos atrás por um câncer, e foi ator central da bem-sucedida operação de recuperação da credibilidade do Brasil depois das moratórias dos anos 80.

Um exemplo acabado de membro da burocracia permanente, Murilo chega a um posto-chave da equipe econômica depois de ter ajudado a formular as bases do programa de austeridade fiscal que o País adotou em 1998, sob pressão de uma crise internacional, e de ter se tornado um importante conselheiro de Palocci na transição ao governo petista.

Sua nomeação gerou especulações de que a Secretaria de Política Econômica é apenas um posto de espera para a presidência do Banco Central.

Não é verdade. Conheço o Henrique Meirelles desde quando fui secretário do Tesouro, no governo do presidente Fernando Henrique. Tenho excelente relacionamento com ele. O Meirelles foi uma das primeiras pessoas a saber do convite que o ministro Palocci me fez e me incentivou a aceitar. Mencionei há algum tempo ao ministro sobre meu desejo de voltar ao Brasil. Meus três filhos já tinham retornado. Minha mulher não estava gostando de ficar o dia inteiro sozinha em casa e não podia trabalhar por causa das restrições do visto diplomático. Minha idéia era ir para o setor privado, onde nunca trabalhei. Mas o ministro me pediu para que viesse passar um tempo com ele e a equipe no ministério.

O senhor trocou o salário de US$ 16 mil por mês de diretor-executivo do FMI por um de R$ 8 mil ...

Sou muito grato ao meu País por tudo de bom que aconteceu comigo nesses anos em Washington. Primeiro, porque recuperei a saúde. Fiquei em Washington até completar 55 anos para poder me aposentar e ter o seguro de saúde do Fundo que, para mim, é muito importante. Tirei um rim, sou sobrevivente de câncer. Vivi um período de sucesso profissional, durante o qual consegui, sem demérito, substituir o professor Alexandre Kafka. E foi bom também financeiramente, pois, ganhando bem, pude fazer uma poupança e comprar uma casa que hoje vale o dobro. Acho que chegou a hora de pagar, de devolver um pouco ao País por todas essas coisas positivas que o País me propiciou.

Sua reputação é a de ser conservador. Como se sente assumindo o posto de vice-ministro da Fazenda do governo do PT?

Eu sou um funcionário público. Trabalhei com todos os governos nos últimos 30 anos. Adquiri esse perfil de conservador na minha passagem pelo secretaria do Tesouro, no governo do Fernando Henrique, quando o Raul Jungman, que era secretário-executivo do Ministério do Planejamento, me deu o apelido de Dr. No. Foi por causa do cargo. Em 95% das vezes, o secretário do Tesouro tem de dizer não. Em 4% , pode dizer talvez. Em 1% dos casos, o ministro ou o presidente dizem sim.

O senhor terá alguma missão específica no ministério?

O ministro me pediu que reforçasse a área de coordenação. Mas não quero criar expectativas. Estou me integrando a uma equipe que vem fazendo um ótimo trabalho e da qual, de certa forma, já fazia parte. Conheço vários de seus membros, alguns do governo anterior, como o Joaquim Levy, que vem tendo excelente atuação na secretaria do Tesouro e com quem trabalhei de perto nos últimos dois anos e meio. A área internacional do ministério está muito bem servida com o Luiz Pereira, que é muito competente e conheço do tempo em que fui diretor-executivo do Banco Mundial, onde ele trabalhou. Estabeleci também um bom relacionamento com o Bernard Appy. Por tudo isso, estou entusiasmado e vou procurar a ajudar.

Entre 1998 e a recente decisão do governo de não renovar o acordo com o Fundo, o senhor viveu momentos cruciais das relações entre o Brasil e a instituição. O que mudou no relacionamento do País com o Fundo nesse período .

O Brasil mudou e o Fundo também. Do nosso lado, o País passou a pautar-se pela seriedade. Deixamos de assinar cartas de intenção para ficar na intenção. Hoje assumimos compromissos para cumprir e os cumprimos porque eles são de nosso interesse. O Fundo, por sua vez, aprendeu com seus erros, passou a ouvir mais e entendeu que a formulação de programas deve ser dos governos, que não deve impor nada. O Fundo mudou, por exemplo, ao aceitar, por demanda do Brasil, que a meta para medir o desempenho deixasse de ser o déficit nominal, que é impossível de cumprir numa economia com inflação alta, para ser a conta física primária, sobre a qual o governo tem controle.

O Fundo mudou o suficiente para satisfazer as demandas dos países emergentes?

Não. Pode e deve mudar mais. E isso depende, em parte, de nossa atuação, até porque hoje temos credibilidade, graças aos nossos êxitos. O papel e as funções do Fundo ainda são pouco conhecidos no Brasil. A percepção do FMI como emprestador de última instância sempre dominou no Brasil, onde nasceu influenciada pela experiência do relacionamento negativo da instituição com o governo Kubitschek, em 1955. Mas o Brasil precisa focalizar cada vez mais o FMI como canal de cooperação e coordenação de políticas macro em âmbito internacional. É um canal pelo qual um país pode apresentar suas opiniões e fazer pressão para influenciar as posições e políticas dos grandes países, em função do nossos interesses. Dentro do próprio Fundo isso ainda é pouco desenvolvido. O Fundo é um mecanismo da supervisão multilateral. Somos um país grande, com uma atuação internacional importante, mas representamos apenas 2,5% da economia mundial. Ou seja, o que acontece no mundo nos afeta profundamente. E temos um legítimo interesse em evitar que políticas econômicas de outros países gerem dificuldades externas para nós. Um exemplo claro disso é o protecionismo dos países ricos. É tema que o Brasil levantou e hoje tanto o Banco Mundial como no FMI incluíram o protecionismo em suas agendas de discussão.

O senhor assume a secretaria executiva do ministério no momento em que a combinação de juros altos e câmbio valorizado causam preocupação sobre o crescimento. Como vê o panorama da economia brasileira .

É muito importante para o Brasil que o ministro Palocci continue o excelente trabalho que vem fazendo, pois o País está no rumo certo e tem condições concretas de alcançar já em 2007 o "investment grade", se continuarmos a fazer o que estamos fazendo e tivermos um programa importante de reformas estruturais. Precisamos seguir diminuindo nossa dívida. Temos que melhorar a qualidade de nossas despesas e a eficiência de nossa economia.