Título: Lula, Fidel e dissidentes
Autor: Ipojuca Pontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

"A tirania é um hábito, tem a propriedade de

se desenvolver, e se dilata

a tal ponto que acaba

virando doença"

Fiodor Dostoievski

Com o dinheiro fácil dos empréstimos concedidos por Lula e doações de fartos créditos materiais do coronel Hugo Chávez, o ditador Fidel Castro, que se mostrava disposto a fazer "concessões democráticas" em troca de recursos externos, está partindo para a repressão total e, por extensão, aperta o torniquete em torno dos dissidentes políticos que ousam discordar do regime cubano: já são, agora, mais de 300 os "prisioneiros de consciência" que apodrecem nas 200 prisões de segurança máxima da ilha-cárcere, com destaque para as masmorras de Boniato e Kilo Prieto, pocilgas de 45 graus à sombra.

Em meados de abril, desesperado com a situação, o economista e jornalista Oscar Espinosa Chepe, uma figura emblemática da oposição cubana, escreveu carta ao presidente Lula da Silva solicitando apoio para a libertação de 61 presos do chamado "Grupo 75", jornalistas trancafiados por Fidel Castro depois de denúncias contra os rigores do regime comunista de Cuba. Chepe, favorecido por problemas de saúde (e pela pressão da Anistia Internacional) com uma "licença extrapenal", foi claro e direto na carta (distribuída em Havana) enviada ao amigo brasileiro do provecto ditador: "Sr. Presidente, peço sua ajuda humanitária para a libertação imediata e incondicional dos 61 prisioneiros de consciência condenados a longas penas."

Até agora Lula não deu resposta ao dissidente cubano e é completo o silêncio do embaixador do Brasil em Cuba, o ex-deputado petista Tilden Santiago, que, em casos semelhantes, dá sempre o calado como resposta - o que significa postar-se, por inferência, ao lado do regime totalitário de Fidel.

Mais próximo da ilha caribenha, no México, é desesperadora a situação de 66 cubanos que haviam sido detidos em alto-mar pela Marinha mexicana, todos desnorteados em precário barco de pesca. Os fugitivos da ilha-cárcere estão num alojamento do Instituto Nacional de Migração (INM), em Forte de Las Flores, no Estado de Vera Cruz. E, diante da possibilidade de serem repatriados, iniciaram greve de fome, ao tempo em que exibem, pelas janelas, cartazes com apelos dramáticos. "Pelo amor de Deus: não nos deportem para Cuba, preferimos morrer aqui." Ou ainda, em outro pedaço de papelão: "Não nos deportem; nos matarão em Cuba."

Os fugitivos denunciam que não é possível viver no regime de exploração e precariedade vigente na ilha, sem falar na opressão e na implacável vigilância da DGI, o centro de espionagem e informações da ditadura. "Fidel es un tirano!", avaliam. O governador de Vera Cruz, Fidel Herrera, atendeu positivamente a um pedido do governo federal, visto que a Marinha do México não tem instalações para alojar os 66 fugitivos cubanos. Entrevistado pela imprensa, o governador foi sensível ao drama vivido pelos fugitivos: "Vamos buscar uma saída solidária."

É muito estranho que Lula da Silva, o homem da lágrima copiosa, sempre sensível à dor humana (pelo menos assim o proclama), além de "amigo do peito" de Fidel Castro, ao qual já manifestou completa solidariedade, abrindo inclusive os cofres do BNDES para aliviar as carências da ilha-cárcere, é muito estranho, repito, que Lula se mostre insensível ao pedido de apoio de Oscar Espinosa Chepe, o emblemático dissidente cubano, e permaneça no mais completo silêncio. Em outras oportunidades, personalidades menos votadas e diante de fatos semelhantes pediram e obtiveram a complacência do senhor ditador. O próprio escritor García Márquez, amigo de Castro, tem a seu favor o fato inconteste de já ter ajudado a salvar inúmeros dissidentes políticos (ou pessoas do desagrado do regime), até mesmo do indefectível "paredón". Por sua vez, a ação positiva do governador do Estado mexicano de Vera Cruz, o sr. Herrera, demonstra que, no campo político, nem tudo está perdido e é sempre possível tomar medidas inspiradas em "atos de consciência".

No caso específico de Lula, o pedido de Chepe ainda é mais pertinente, visto que o presidente metalúrgico vive de entoar, nas suas permanentes viagens e nos seus diuturnos discursos, os valores soberanos da democracia, da paz e do amor. Diante dos 61 prisioneiros de consciência, ameaçados por regime de fome e tortura nas masmorras de Boniato e Kilo Prieto, o presidente Lula, em vez do silêncio, tem a oportunidade única de fugir à retórica das palavras bombásticas e partir para a ação positiva de uma negociação justa e viável, e que pode significar a salvação de dezenas de vidas. O presidente, que já se disse um homem sem pecados, não pode ficar omisso e pecar pela omissão. Seria o mesmo que afirmar o sofisma de que a verdade, na política, é a mentira e a mentira, a paralaxe dos homens.

E depois, sejamos rigorosamente verdadeiros: não será com a libertação e posterior deportação de 61 prisioneiros de consciência que a ditadura de Fidel Castro irá cair. Para mantê-la viva, pelo menos por tempo considerável, existirá sempre o apoio de países como o Brasil e a Venezuela, que se esmeram, até com o sacrifício dos supremos valores da liberdade e dos direitos humanos, em escorar com atos e palavras, nos foros internacionais, uma tirania que apodrece apodrecendo os seus dissidentes e a própria significação do conceito de humanidade.

Por que não agir?