Título: Prova de maturidade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2005, Editoriais, p. A3

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, só poderia ter reagido como reagiu diante da decisão - de resto esperada - do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar a abertura do inquérito contra ele, solicitado pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, para apurar denúncias de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e crime eleitoral. As sete providências determinadas pelo ministro para a investigação incluem notadamente a quebra, a contar de 1996, do sigilo fiscal de Meirelles e de três empresas que mantém, duas delas nos Estados Unidos.

O ex-presidente do Banco de Boston disse considerar "positiva" a decisão - "porque ela vai permitir que os questionamentos sejam analisados de forma adequada e isenta". Mas ela é positiva sobretudo por outro motivo, que transcende a pessoa do inquirido e as acusações de que é alvo. Os atos do procurador Fonteles e do ministro Marco Aurélio figuram na coluna dos haveres em matéria de maturidade do Estado de Direito no Brasil. Contraria a opinião comum de que a Justiça é complacente com os fortes e implacável com os frágeis. E canaliza para o plano técnico do devido processo legal despido de estardalhaço as acusações vazadas - e difundidas com estridência - contra Meirelles.

Assim como são convincentes os argumentos com que os seus advogados as contestam, é pertinente a justificação que embasa a decisão do ministro. Ele disse que só na hipótese de perceber "uma inocência escancarada" do suspeito poderia negar o inquérito, ressaltou que o próprio Meirelles deixou claro ser o principal interessado em "abrir o embrulho" e sustentou o que deveria ser uma norma jamais sujeita a transgressões no Brasil: "Os servidores públicos em geral têm posição diversa do cidadão comum, ficando mitigada a privacidade, presentes os interesses coletivos, em face de transparência necessária quando em jogo a administração pública."

Outra decisão sensata de sua parte foi determinar que o inquérito corra sob segredo de Justiça. Somente o presidente do BC e o Ministério Público Federal terão acesso às informações obtidas a partir dos procedimentos estipulados para a investigação. Dela, por sinal, não participará a Polícia Federal - cujas operações mais importantes têm se revestido de um espalhafato que atenta contra os direitos individuais dos investigados, a quem os agentes policiais tendem a tratar como culpados por antecipação. Além disso, o ministro rejeitou o pedido de requisição à OAB da relação e do registro dos advogados do escritório que representa Meirelles nas suas empresas offshore. A Ordem considera ilegais as buscas e apreensões realizadas pela PF em bancas paulistas e cariocas.

Tudo isso leva a crer que - apesar da coincidência do inquérito sobre o presidente do BC com o pedido idêntico em relação ao ministro da Previdência, Romero Jucá, o que se refletiu no tom do noticiário - as requisições ordenadas pelo ministro Marco Aurélio à Receita e ao Banco Central serão atendidas, sem carnaval, a tempo e hora. Essas são condições essenciais para que a apuração transcorra civilizadamente. O tempo, em especial, é um fator crítico. Quanto mais demorarem os trâmites até que o juiz se considere satisfeito para processar Meirelles, ou arquivar o caso, mais facilmente os seus desafetos, no governo e no Congresso, poderão elevar a temperatura do caso na mídia e nos mercados.

O presidente Lula já assegurou que manterá o presidente do BC enquanto a Justiça não se pronunciar sobre o mérito das suspeitas que o cercam - valendo o mesmo para Jucá. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reiterou a sua confiança em Meirelles, que se diz "absolutamente confortável" no cargo. Mas as opiniões se dividem a respeito. O presidente do Senado, Renan Calheiros, defende a sua permanência durante o inquérito, alegando que o contrário equivaleria a um prejulgamento. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, defende o seu afastamento - "se o Supremo optou pelo inquérito é porque existem indícios", declarou - e o de Jucá.

Há quem diga que - até para o inquérito correr - Meirelles deveria imitar o chefe da Casa Civil do presidente Itamar Franco, Henrique Hargreaves, que se licenciou durante uma investigação e voltou quando ela deu em nada. O presidente do BC decerto saberá o que é melhor para o interesse nacional.