Título: Arma de brinquedo, assalto real
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2005, Metrópole, p. C1

A arma é de brinquedo, mas o ladrão é de verdade. Só que o porte das réplicas de revólveres e pistolas para a prática de crime não é mais um delito. O bandido usa o brinquedo nas ruas de São Paulo, mas, se é apanhado portando a réplica, sai livre. Seu único prejuízo será a perda do objeto, apreendido pela polícia. Assim, é só apanhar outra réplica e voltar a assaltar nos semáforos, criando mais vítimas reais na cidade. Carregar arma de brinquedo era um crime até a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, conforme havia estabelecido a lei de 1997 sobre o porte ilegal de armas - o estatuto, no entanto, revogou essa regra. Agora, ou o ladrão é pego em flagrante, roubando, ou a polícia não pode detê-lo pelo simples fato de carregar a réplica. "Esse problema depende de uma solução legislativa", disse o secretário da Segurança Pública, Saulo Abreu.

A atual situação permitiu que, em um mês, José Roberto, Dênis e Roberto fossem apanhados quatro vezes nos Jardins com armas de brinquedo sem que nada lhes acontecesse. "A gente veio aqui para roubar, senhor", disse um deles aos policiais que os detiveram na esquina da Rua Augusta com a Alameda Tietê, nos Jardins, na zona sul. Era 8 de abril. "Prendemos os três e tivemos de soltá-los", disse a delegada Elizabete Ferreira Sato.

O caso fez a delegada, que é titular do 78.º Distrito Policial (Jardins), enviar à Justiça um pedido de consulta para saber como proceder nessas situações, já que os exames de peritos criminais constataram que os brinquedos usados pelos bandidos tinham "poder de intimidar as pessoas". De fato, até os policiais dizem que seriam capazes de confundir essas armas com as verdadeiras caso fossem abordados à noite. "Quem é que vai se arriscar se está com a família no carro?", pergunta o delegado Mário Jordão Toledo Leme, titular da 1.ª Delegacia Seccional, responsável pelas delegacias da região central e dos Jardins.

A resposta à delegada foi dada há 15 dias. O juiz Xisto Albarelli Rangel Neto, do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) do Tribunal de Justiça, afirmou em um despacho que a polícia deve apreender o objeto, já que sua produção, importação e venda foram proibidas no Brasil pelo estatuto - exceto quando destinadas à instrução, adestramento ou à coleção de alguém que tenha autorização do Exército. A nova lei deixou claro no entanto que, apesar do poder de intimidação das réplicas de armas, a polícia não pode prender o ladrão por porte ilegal.

"Mas o que faz uma pessoa andar no centro com uma arma de brinquedo? Certamente não é uma coincidência o fato de muitas terem sido processadas por roubo", disse o delegado. Segundo ele, o roubo com armas de brinquedo preocupa a polícia, mas não chega a ser a coqueluche que foi no começo dos anos 90.

Os policiais da região central disseram, no entanto, que desenvolveram uma técnica para combater esses bandidos. "Identificamos esses homens e tiramos fotos deles para submetê-las às vítimas de roubo para que elas tentem o reconhecimento", afirmou Jordão. "E assim esclarecemos vários casos de roubos."

Mas o que os delegados queriam mesmo era a volta da lei antiga, que considerava crime ter arma de brinquedo. "Seria uma solução importante." Além de apreender a réplica, a Justiça autorizou a polícia a destruir os brinquedos dos assaltantes. Uma decisão "correta, dentro do espírito do estatuto", segundo o professor de direito penal Luiz Flávio Gomes.