Título: Retrocesso na comunicação v
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Notas & informações, p. A3

Em editorial de domingo passado (Um mutirão pela liberdade) já comentávamos dois projetos em tramitação no Congresso Nacional - um no Senado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 55/2004, do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), outro na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.º 4.209/2004, do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) - que ferem a liberdade de concorrência e a diversidade dos meios de comunicação, por favorecerem a extensão do domínio dos que já dominam, de múltiplas formas - e quase monopólio numa delas -, o sistema de comunicação social do País. Matéria de nossa edição de quarta-feira (de Renato Cruz) nos dá conta do andamento rápido que essas proposições estão tendo nas Casas Legislativas, bem como de opiniões abalizadas sobre o retrocesso que significa a tentativa de estabelecer-se uma "reserva de mercado" para exploração da internet, da TV por assinatura e de outras vias de comunicação propiciadas pelo desenvolvimento tecnológico contemporâneo. Sob o pretexto da "defesa da soberania e da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiro", na prática essas propostas legislativas, que se complementam, pretendem impor, como obstáculo à liberdade de atuação de produtores (de conteúdo) estrangeiros, a necessidade de se associarem a "corretores nacionais de conteúdo" - para usar expressão do advogado e professor da USP Floriano de Azevedo Marques.

Curioso é que, apesar de as duas propostas terem por base a defesa da cultura nacional, em seus textos não há qualquer limite mínimo ou obrigatoriedade de veiculação de conteúdo nacional. Salta aos olhos a verdadeira intenção, que é a de impor o lema "quem está fora não entra e quem está dentro não sai" por motivos tão "culturalmente" convincentes quanto foram os que levaram o Brasil a sofrer anos de atraso com a "reserva de mercado" que aqui se fazia, no início do desenvolvimento dos sistemas de informatização.

Eis aí uma outra forma de tolhimento à liberdade de expressão, porquanto se impede que aos cidadãos seja levada uma multiplicidade de visões, de opiniões e de interpretações das informações - algo fundamental numa autêntica democracia. "A sujeição dos provedores a essas limitações pode violar o direito constitucional de acesso à informação" - disse, a propósito, o advogado Guilherme Ieno Costa, especialista em comunicação. "Os projetos são censura.

Não passam desse jeito" - afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), Antonio Tavares. Mas as expectativas dos responsáveis por essa mudança legislativa - que significa um claro retrocesso do nosso sistema de comunicação social - são otimistas. A PEC 55, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - com parecer favorável do relator Fernando Bezerra (PTB-RN) -, terá "tramitação tranqüila" e, pelo prognóstico do relator, irá para votação em plenário, no máximo, dentro de um mês. E o deputado Luiz Piauhylino espera que seu projeto de lei seja votado ainda este ano.

De um certo modo, além de semelhante, o projeto de lei do deputado depende da aprovação da PEC do senador, pois sem esta poderia tornar-se inconstitucional. Ao artigo 222 da Constituição, que confere, privativamente, a brasileiros natos ou naturalizados há dez anos - bem assim às pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil - a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão, a PEC acrescenta a empresa de acesso à internet e a que explore a produção, programação ou provimento de conteúdo de comunicação eletrônica, dirigida ao público brasileiro, "por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicação de que façam uso e com os quais não se confundem".

Já o projeto de lei do deputado Piauhylino dispõe sobre a propriedade, o gerenciamento da produção, programação e provimento de conteúdo nacional de comunicação social eletrônica.

Não seria o caso de levar ao grande público o debate aprofundado sobre o tema, antes de precipitar-se a aprovação de projetos, dos quais a sociedade brasileira ainda não detectou as razões - nem as disfarçadas intenções?