Título: Morre uma boa idéia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Notas & informações, p. A3

Com o apoio declarado do PT e a discreta adesão do PSDB, segue o enterro sem pompa de uma providência tomada pelos legisladores para dar um mínimo de força e coesão aos frágeis partidos políticos brasileiros: a chamada verticalização das coligações, isto é, a obrigatoriedade de as alianças constituídas para as eleições presidenciais serem repetidas nos Estados.

Tudo indica que esse avanço institucional ficará limitado à experiência das eleições de 2002, pois a emenda constitucional que revoga a verticalização foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, após haver passado por instância idêntica no Senado. E será enviada a uma comissão especial, que dificilmente deixará de aprová-la e encaminhá-la ao plenário. Como os únicos focos de resistência à mudança - a direção do PT e parte dos cardeais tucanos - mudaram de posição, sua aprovação nos plenários do Congresso é tida agora como "pule de dez".

O "puxa-encolhe" a que a medida tem sido submetida nas negociações entre governo e oposição na Câmara e no Senado é uma evidência a mais de que a democracia brasileira ainda está muito longe de um tempo em que os interesses da sociedade serão considerados prioritários pelo establishment de seus representantes. Por enquanto, as barganhas fisiológicas de ocasião predominam sobre a necessidade da adoção de normas fixas, impessoais e que permitam avanços institucionais.

Para comprovar essa ululante obviedade basta recordar rapidamente a história desta conquista da cidadania, que durou apenas uma eleição. A verticalização foi adotada por inspiração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e com o apoio firme e declarado dos tucanos, então no poder. Criada para ordenar minimamente o caos partidário, pois proíbe a possibilidade de um partido se coligar com outro no âmbito estadual e, ao mesmo tempo, apoiar o adversário local na eleição federal, a verticalização foi execrada pela oposição.

Esta viu nela um instrumento para cercear os apoios estaduais à candidatura favorita da oposição e, assim, impedir a derrota anunciada do candidato oficial à Presidência, o tucano José Serra. "É uma aberração, uma decisão descabida", reclamou o então candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva. "É uma piada. O voto vinculado acabou junto com a ditadura", protestou o hoje presidente nacional do PT, José Genoino. "Isso é uma arbitrariedade, antidemocrático, ilegítimo, um casuísmo", disse o ex-coordenador da campanha petista e atual chefe da Casa Civil, José Dirceu, ameaçando ir ao STF para derrubá-la.

A derrota do candidato oficial poderia haver bastado para comprovar que o continuísmo não era, afinal, um efeito colateral inevitável e nocivo da medida adotada para disciplinar a bagunça partidária nacional. Ainda assim, ao deixar a planície deserta da oposição e subir a rampa do poder, o PT descobriu na obrigatoriedade das coligações em todos os níveis vantagens e virtudes de que, na oposição, jamais suspeitara.

A guinada se manifestaria em manobras de alguns de seus figurões, como os deputados João Paulo Cunha, Professor Luizinho e José Eduardo Cardozo, todos de São Paulo e autores de questões de ordem com as quais tentavam adiar a votação de sua extinção. O baixo clero e a maioria da oposição (parcela importante do PSDB se manteve coerente com a defesa assumida há dois anos e meio) asseguravam a maioria necessária para derrubar a decisão do TSE em 2002. Mas sob protestos desses próceres.

"Não aceitamos que a emenda da verticalização seja votada desvinculada da reforma política", anunciou Cardozo. "Entre os aliados há resistência ao fim da verticalização", argumentou Genoino.

Toda essa resistência, contudo, ruiu sob o peso da importância que os petistas dão ao prometido apoio do PMDB à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mandou os líderes das bancadas governistas virarem a casaca. O deputado José Eduardo Cardozo não poderia ser mais explícito: "Tínhamos decidido fechar questão pela manutenção da verticalização, mas com a posição adotada pelo presidente Lula, para atender ao PMDB, devemos liberar os votos da bancada."

E assim tudo está voltando a ficar como dantes no quartel de Abrantes: para cada eleição vige uma legislação para acomodar pleitos e interesses. E as instituições? Estas que se lixem!