Título: As tribos urbanas que pegam carona na marcha do MST
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Nacional, p. A4

A marcha nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST) pela reforma agrária chega a Brasília levando um grande contingente de assentados e muita gente que não tem nada que ver, diretamente, com a distribuição da terra para quem quer produzir. Com os sem-terra, caminham há 15 dias centenas de militantes urbanos, radialistas, jornalistas simpatizantes de movimentos sociais, professores, religiosos e muitos estrangeiros. São pessoas comprometidas ideologicamente com a causa do MST que, além da divisão da terra, visa à criação de uma nova sociedade. Passam de mil os militantes, mais preparados para o comando das brigadas - grupos organizados dentro e fora do acampamento - do que para o trabalho rural. Há ainda equipes de documentaristas da Turquia e da Itália que seguem na coluna usando crachás do movimento e recebem tratamento diferenciado. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, parceira do MST na marcha, ajuda nas despesas e com a presença de mais de 20 padres.

Além do apoio oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em documento entregue às lideranças, o presidente da CPT, d. Tomás Balduíno, imprimiu uma carta comparando os sem-terra ao guerreiro Josué, que ia à frente do povo na caminhada pelo deserto em busca da Terra Prometida. "Vocês são os verdadeiros patriotas da conquista da reforma agrária já, derrotando o latifúndio e o agronegócio. São os construtores do Brasil que todos nós sonhamos", diz na carta.

A Presença Solidária, da Congregação das Religiosas do Brasil, mantém cem freiras na marcha. De acordo com a irmã Bertina, uma das líderes, esse é um trabalho missionário. "Estamos levando a palavra de Deus a um povo sofrido." Há também evangélicos, como o ex-pregador Benedito Lino de Jesus, de 44 anos, membro da Assembléia de Deus. Assentado em Nossa Senhora da Glória, em Sergipe, participa da marcha para pedir melhorias no assentamento. "Não estamos conseguindo produzir", diz.

Muitos militantes se entregam de tal forma ao MST que a produção no campo passa a ser objetivo secundário. O radiocomunicador Hermes Lopes, 46 anos, assentado em Ribeirão Preto (SP), luta pela liberação das rádios comunitárias. Ele coordena a rádio Brasil em Movimento, que acompanha a marcha. A emissora é sintonizada pelos marchantes em 10 mil aparelhos de rádio. "Usamos o rádio para fazer a formação política do nosso pessoal. Temos 380 pessoas em variadas funções na marcha." Cada brigada tem um grupo de comunicação, mas a rádio conta com os repórteres populares, que coletam entrevistas e depoimentos. Há espaço para pensadores e intelectuais, como Neuri Rosseto, que tem discorrido, de forma didática, sobre a formação do MST.

POESIA E MÚSICA

Mas há também os que enveredaram pela literatura. O coordenador Charles Trocate, de 27 anos, paraense, já lançou três livros de poesias - Poema da Barricada (2002), Folha de Prosa e Verso (2003) e Poema Público (2004). Prepara agora dois livros infantis. Ele diz que as obras têm a ver com o movimento. "A poética tem por si só seu compromisso." Trocate é quase um autodidata. Até entrar no MST, em 1986, tinha ido à escola apenas um ano. Mas aprendeu a ler com a irmã e voltou a estudar. Recentemente concluiu o supletivo do segundo grau e agora seu plano é a universidade. Está se iniciando na literatura russa.

O acampado Lupércio Damasceno, de Pernambuco, também pode trocar a roça pela música. Com seu violão e uma voz afinada, anima as noites no acampamento. O cultivo da terra também já não atrai tanto a técnica em saúde Estefânia Gomes, de 21 anos, coordenadora da brigada de saúde da marcha. Seus pais são assentados há 14 anos no Rio Grande do Sul. "Quero continuar na organização do movimento."